O que a gente precisa é aprender o atraso, o olhar em volta.
Quando criança, eu adorava as tardes de verão, saía da escola com chuva. Tirava o tênis, arregaçava a calça, subia na bicicleta, passava pelas poças d'águas e enxurradas... sentia a pressão da chuva sobre o meu corpo, encharcando minhas roupas, o ritmo do barulho produzido pela chuva, o cheiro da chuva, o cheiro de terra molhada...
Eu me permitia! Me permitia o atraso, o olhar em volta... mudava até o caminho de todos os dias e me perdia no meu próprio caminho.
Depois chegava em casa, feliz comigo mesma, coração amoroso, corpo cansado. Mas ainda não estava de bom tamanho. Sentava na cozinha pra conversar enquanto a mãe cozinhava, em fogão de lenha - e era aquela comida, gostosa e cheirosa, comida especial feita pra mim...
Ah, as pequenas coisas da vida e sua valorização...
Por que a gente cresce e perde essa cumplicidade com a pequenas coisas da vida, com a simplicidade? Não é hora de retornarmos o que se perdeu na caminhada e prestar mais atenção às pequenas coisas que na verdade são as mais importantes? Nossa, acabei de fazer isso agora. Parei pra pensar. Então acho que ainda tenho chance de resgatar o simples que não se foi pra sempre, só está um pouco encoberto pela densa camada de garoa e fumaça da minha velha São Paulo, que vela a minha visão e confunde. Mas tem ainda muita coisa bonita pra se ver e sentir. Basta que eu olhe com os olhos do coração e perdoar sempre essa agressividade da qual estou fugindo constantemente. Dar de ombros às más querenças e lamber muita tigela de brigadeiro. Ô coisa boa.