161 – CHUMBO TROCADO...
Mas daquela vez um estrupício se apoderou da minha vontade, maus pensamentos, péssimos pressentimentos, e tudo isto envolvia a pessoa de um grande amigo meu, na veneta uma desconfiança danada das boas e exageradas intenções dele para com o meu amor.
E o pior, parecia que a minha amada estava até gostando daquelas matreiras investidas, e o meu amigo não cansava de nos elogiar, que éramos o casal perfeito, que ele morria de inveja do nosso bom relacionamento, e que o seu maior sonho era encontrar um amor igualzinho ao que eu tive a felicidade de encontrar, e mais outras tantas lorotas, e eu que já estava desconfiado fazia figa contra toda aquela bajulação, pra mim tudo aquilo não passava de conversa mole pra jogar boi em rio coalhado piranhas.
E sempre que ele nos encontrava, logo vinha com aquele papo repetido de invejas, admiração e desejos, e eu ficava na defensiva, comecei até a sondar o meu amor, se ela no escondido não estava se encontrando com aquele rapaz, mas tudo em vão, e o rapaz continuava cheio de palavras doces, matreiro no engabelar, meloso, carregava bons modos e deferências pra cima do meu amor, aquilo tudo me deixou com um pé atrás, fiquei com uma pulga atrás da minha orelha imaginando um belo par de chifres na minha testa, suspirava fundo para não perder a boa compostura, não queria maltratar o meu melhor amigo, nem demonstrar o meu ciúme oblíquo, sendo ele tão agradável tudo aquilo foi sendo relevado, mesmo contrariado, das vezes amuado, sem assunto outras tantas vezes, procurava todas as maneiras de me livrar daquela insistente companhia, aquele lenga-lenga estava me machucando, estava me ferindo sem deixar cicatrizes.
Noites em claro passei, imaginando, matutando, das vezes via e sentia o meu amor nos braços do meu melhor amigo, sonhava com mil vinganças, imaginava mil maneiras de ser mais atraente do que ele, mas no final prevalecia sempre a triste convicção que o meu melhor amigo estava de veras me passando pra trás.
No último encontro que tivemos, ele disse que finalmente havia encontrado a sua cara metade, que tinha encontrado uma companheira de tais predicados, e que em muito se assemelhava ao meu amor, e que na festa de seu aniversário iria nos apresentar a dita cuja.
E na festa do seu aniversário fomos eu e o meu amor, ela toda animada, demonstrando contentamento em ir, e eu de cara amarrada, contristado, jumento empacado sendo puxado pela corda, aos trancos e barrancos acompanhei o meu amor, e lá chegando o meu melhor amigo nos recebeu entre abraços e beijos para o meu desespero, foi quando ele nos apresentou a sua namorada, e ela era linda, atraente, jeitosa, tinha um olhar brilhante, uma voz carinhosa, e ela abraçou a minha amada, depois de braços abertos me alcançou e me abraçou afetuosamente, me apertou, me beijou, e com as suas mãos segurou a minha e não soltava, dizia que o maior sonho da vida dela era nos conhecer, pois o seu namorado só vivia falando em nós, que éramos o casal perfeito, e mais e mais...
E ela continuava segurando a minha mão para o desespero do meu melhor amigo, que não suportando aquela situação, foi logo desvencilhando a mão dela da minha, mas a moça olhava nos meus olhos sorrindo, me agradava, e vi claramente que o meu melhor amigo franziu o cenho, se armou nas defensivas, enciumou, demonstrou claramente que estava perturbado com aquela situação...
Senti-me nas nuvens, estava vingando, quão doce é o sabor da vingança, da desforra, cai em gentilezas pra cima da moça, demonstrando toda uma classe e uma educação que nunca tive, e ela maravilhada voltou a segurar a minha mão, e o meu melhor amigo agora na desvantagem, aprumou rapidamente em desculpas de apresentá-la a outras pessoas, debandou pra bem longe de nós...
Mais tarde, na hora da dança, propus uma troca de namoradas, e na dança a namorada do meu melhor amigo colou o seu corpo no meu, eu me sentia no paraíso, não pensava em conquistas, mas vingar, colocar o dito cujo na mesma situação que ele sempre me colocava, com ares de vencedor, sentia até mais leve, faceiro, naquela dança, besteiras na mente, me sentia desafogado ante o olhar abismado do meu melhor amigo com a minha repentina desenvoltura, agora era ele que estava nos vigiando, desapareceu dele aquele verniz dos bons modos, assim que a música acabou ele bruscamente recuperou a sua amada, pra da gente não mais se aproximar.
Abobadamente me sentia um vencedor, tinha derrotado o meu melhor amigo na sua própria casa e por mais paradoxal que possa parecer, usando das mesmas armas que ele tanto usará contra mim, e a minha amada um tanto ressabiada, um tanto enciumada, derretia em carinhos para comigo, e no resto da festa dançamos pra valer...
Naquela noite eu me senti um rei...
Fui dormir nas alturas...
Dias depois encontrando o meu melhor amigo, ele se mostrou arredio, pouca prosa, havia perdido os ares de bom rapaz, acabou aquela lenga-lenga para com o meu amor, tudo serenou, tudo se acalmou, e ele agora mais comedido se fez um tanto distante de nós...
E quem foi que disse que chumbo trocado não dói?