APOLOGIA À NATUREZA.

 

 

Um canto puro proveniente de Gaia.

 

 

Não consigo mais compor, não sei mais o que dizer, porque agora, passei a escutar os pássaros invisíveis que gorjeiam dentro de mim.

Eles nunca foram aos conservatórios e nem nunca freqüentaram sequer colégios, no entanto, compõem as mais lindas poesias.

Interessante!

Todas elas vêm bordadas de uma indizível musicalidade, na verdade, é uma canção primitiva, uma genuína écloga que nenhum poeta conseguiu imitar até hoje.

Todos os dias eu ouço essas tessituras, admiro essa écloga cantada dentro da harmonia verde das matas, sob o ritmo e os burburinhos dos alegres regatos.

Saúdo-te, ó divina Gaia!

Um homem para ser feliz de verdade tem de ouvir sempre essas sinfonias que se evolam até aos nossos ouvidos, com acordes magistrais lidos e solfejados de uma partitura inexistente.

Essa minha terra também tem palmeiras, o cedro, o ipê, a paineira e o jacarandá, tem também o cantar triste do maestro sabiá.

Todas as manhãs quando abro a janela da minha torre, a joaninha canta alvissareira e alegre para mim.

Disse-me ela que, ficou encarregada de me desejar um bom dia em nome de toda a natureza.

A natureza é linda e, para mim ela não se esconde, muito ao contrario, se exibe vestida com um dégradé verde e novo, e assim, ela me infla com a brisa fresca e com aroma do capim limão.

Chega à noite!

Gaia se cala e, apurando bem os ouvidos, eu escuto apenas os estalos dos gravetos secos, pisados pela jaguatirica esfomeada e de tocaia, à espreita da sua presa para o banquete noturno.

De vez em quando, lá nas furnas no cafundó das matas, eu ouço os urros dos bugios e a algazarra dos macacos na roça de milho do coitado do caboclo.

E a coruja, uma sentinela avançada, dá os seus pios funéreos e medonhos que assustam até as aparições, que saem correndo pelas veredas das capoeiras de mãos dadas.

Os boitatás (fogo-fátuo) com as suas línguas incandescentes alumiam o caminho para o pobre do Saci-Pererê, pulando em peraltices numa perna só e com um cachimbo de esguelha na boca.

Vive assoprando umas baforadas de “Bem Casada”, uma flor, um tipo de maconha inofensiva que os asmáticos fumam como remédio, pois dizem que dilata os brônquios. Pode!?

Quando chega a manhã novamente, eu me deparo com uma matinada de esplendores que a natureza me prepara, pois ela sabe que a admiro, e aí, ela desabrocha para mim com toda a sua graça e envolvência.

E as flores do campo?

Elas amanhecem felizes, não têm nenhum tipo de ansiedade, porque não competem entre si.

Cada uma tem o seu papel e sua importância na beleza da vida.

Vivem em harmonia e, por isso, constroem um cenário harmonioso, espetacular e inesquecível.

Os frescores das manhãs são imensuravelmente mais gostosos e úmidos, do que esses ares condicionados que nos ressecam e nos propiciam um ambiente totalmente artificial e doentio.

Quando a aurora rebenta por detrás das montanhas cheia de entretons alaranjados, nesse momento, sente-se a opulência e a onipotência de Gaia, com a brisa fresca e revigorante que vem aromatizada das matas.

Mesmo estando a maioria das pessoas ainda dormindo, o sol proporciona a cada manhã um dos maiores espetáculos da terra.

A gente se envolve num êxtase todo especial, “coisas de paraíso” e, no bojo dessa envolvência mística, somos agraciados com o aroma novo da mata virgem, o cheiro do capim novo e os perfumes inebriantes das flores silvestres dos campos.

Normalmente a natureza se esconde para os insensíveis, não por que ela é estúpida, mas sim porque eles não sabem apreciá-la, pois lhes falta uma percepção inteligente e amorosa para com as coisas sublimes.

Infelizmente, o ser humano ainda é cego para as coisas sábias e sublimes que Deus nos deu gratuitamente, e nós presos pelas nossas correntes da ignorância e da insensibilidade a destruímos em vez de preservá-las.

O homem ainda não se acordou para o fato de que a natureza é a própria vida dele, pois ele faz parte de Gaia.

 Senão vejamos: Com ela o homem se protege com as taboas da sua própria casa, e o seu interior é decorado com os móveis também tirados dela.

 As ervas lhes servem para mitigar os males e, o principal, fornece-lhe todos os dias o oxigênio e a água para a sustentação da sua vida.

Se isso ainda não lhe bastasse, ela ainda nos estertores finais do seu esforço supremo lhe dá o alimento.

Aliás, a singularidade desse evento da vida foi um projeto das “Alturas” muito bem imaginado e acolhido por Gaia, na verdade, o paraíso é aqui mesmo, mas a insanidade humana o destrói desumanamente.

Meu Deus, se isso é ser chamado de civilizado, nesse instante, eu te rogo Senhor, quero voltar urgente para a minha Oca e desfilar nu, assim como me fizeste desabrochar para a vida.

Para encerrar esta humilde apologia, eu quero fazer uma referência e um elogio ao ecólogo Eng. Agrônomo José Lutzemberger, pela sua mais pré-clara e inteligente conceituação no seu ensaio: “A hipótese Gaia”.

E assim diz o ecólogo: Sobram biólogos, mas está cada vez mais difícil encontrar naturalistas.

Para o naturalista, a natureza não é um simples objeto de estudo e manipulação. “Ela é algo divino, e nós humanos somos apenas parte dela”.

O naturalista procura a integração, a harmonia, a preservação, o esmero e a contemplação estética.

Saúdo-te sábio ecólogo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 06/04/2007
Reeditado em 06/04/2007
Código do texto: T439440