O dia em que me tornei árvore
Ai, meu amor, estão crescendo fungos em mim, fungos, milhares de fungos, cogumelos sobre toda a minha pele e poeira. Hoje não há um canto do meu corpo que não esteja coberto de poeira, todo dia eu me lavo e limpo, mas a poeira insiste em voltar. Os fungos assim como o pó vem de dentro pra fora, uma vez que nascem na alma não há método de limpeza para tira-los, há só escuridão e umidade dentro de mim
Ontem, ao lhe beijar, meus lábios começaram a ficar frios, frios e leprosos, caíram pedaço de mim em sua boca e você os engoliu sem nem ao menos notar, ninguém notou, nenhum dos corpos que me usaram notaram os pedaços do meu corpo se desfalecendo, mas eu senti, eu vi caírem no chão e não os sinto comigo. Os fungos e a poeira tomaram conta de tudo, cresceram onde já não existem membros, cresceram e se multiplicaram, eu sou um gigante mofado andando pelas ruas, mas o meu psiquiatra insiste que está tudo bem
Não me toque, já lhe disse pra nunca mais me tocar, estou fria e frígida , não preciso de suas mãos úmidas e oleosas sobre mim, vou pegar uma faca e me masturbar, faz tanto tempo que não gozo, sem sangue não há gozo, esse é único jeito saudável de se gozar. Não me impeça. Não me toque, eu arranho e mordo, me deixe, todo mundo merece um orgasmo de verdade nessa vida
Não vá, não sei porque estou escrevendo esse poema mas estou, hoje acordei com uma estranha sensação de estar me transformando em uma árvore, os fungos e a poeira estão se tornando casca e meus pés já não conseguem se mover, eu tenho medo constante de criar raízes, nada no mundo é pior que criar raízes, por favor, não me deixe criar raízes
Mas, meu amor, por que esta me deixando sozinha? porque todos vocês estão me deixando sozinha? deixem-me falar o quanto eu quero falar,não sei quanto tempo terei para isso, já não sai sangue de mim, este se transformou em orvalho, não se assuste, um dia talvez eu me transforme numa linda cerejeira, ou um jequitibá, eu serei linda e perdurarei por séculos, séculos e séculos, parada como um lindo ornamento para sua casa e pra toda a sua família, eu juro que eu serei linda, como nunca fui em sua companhia
Não me deixe parar de escrever, agora a única coisa que me diferencia de um salgueiro é o fato de estar escrevendo, minhas raízes não me deixam segurar direito o lápis, mas eu persisto e persisto, escrevo, me masturbo e sangro, são as únicas coisas que me fazem humana, nem os sentimentos os tenho ainda. Onde estão suas mãos pra me tocar agora? Onde estão? Eu não sei porque to escrevendo, só sei que estou escrevendo porque amanhã não poderei mais escrever , porque se não escrever não haverá amanhã.
Tentei me cortar, peguei a faca cheia de gozo e arranquei minhas raízes e meus galhos, mas eles nasceram de novo, nasceram de novo e eu já não sinto meu coração bater, eu preciso da caneta, somente da caneta, quando acabar o papel escreverei em minhas casca, escreverei, escreverei, escreverei, mesmo quando já não souber nenhuma palavra, escreverei. Escreverei até que se emudeça a minha floresta, e que o tempo esteja propicio até para a morte das árvores, até que ressequem minhas cascas e eu me transforme em um pássaro , que voa e não precisa escrever