Mancha
E de repente abri o livro justo na página que tinha aquela mancha de café. Qualquer outro que abrisse aquele livro naquela página, somente pensaria se tratar de um pequeno desastre natural, de alguém que, ao ler o livro e tomar café ao mesmo tempo, descuidou-se e derramou o mesmo sobre a página branca de miúdas letras pretas. Mas para mim não: aquela mancha de café trazia à tona um manancial de recordações e, ao vê-la, elas se fizeram tão vivas em minha memória que se desmembravam a minha frente de forma abrupta e avassaladora. Dei-me conta de que todas aquelas lembranças que repentinamente impregnaram minha mente, estavam escondidas em algum lugar de meu ser, apenas esperando um modo de se romperem em mim. O café marcado nas letras do livro tratou de as libertar, sem nem mesmo pedir licença. O café, o livro, a macha, eu e minhas recordações viramos por um instante um ser único, todos entrecortados por minha dor.