147 – DESAFOGO...
E ela ajuntou num canto obscuro da sua alma todas aquelas desilusões, todas aquelas decepções e todos aqueles desarranjos que o fim de um romance produz, e sobre eles chorou, derramou todas as lágrimas que poderiam ser derramadas, chorou tanto que até os ombros balançavam em sacudidelas num ritmo alternado entre a quietude e o desespero.
Perguntava pelos porquês, perguntava onde fora que ela errara, onde fora que fizera as coisas atrapalhadas, onde fora que seus atos e sua maneira de ser dispôs tudo a perder, e aquele grande amor que apaixonadamente dedicara a ele e que de um momento para o outro fora triturado num sorvedouro alucinante, deixando-a perplexa e confusa com o desenrolar dos fatos.
Das vezes alternava entre o choro e momentos de silêncio, um silêncio profundo e revelador, que revelava que ela em nada errara, que em nada falhara, que fizera as coisas certas, que procedera com magnanimidade, que dera tudo de si para que aquele romance tivesse uma longa vida, tivesse momentos de felicidades, tivesse aconchegos e caricias.
Não era ela que sacrificara todos os seus gostos para satisfazer os gostos dele?
Não era ela que trabalhava com afinco tanto no lar como fora dele aumentando assim os rendimentos do casal?
E naquele corre corre amalucado quando os afazeres domésticos empilhavam-se numa sequência sem fim, suada, apressada, mesmo assim sobrava sempre um tempinho para se dirigir carinhosamente a ele chamando-o sempre de meu amorzinho?
Não era ela que só faltava adivinhar o que ele gostaria que se servisse no jantar ou no almoço?
Não era ela que arrumava as suas roupas com todo esmero e carinho e as guardava nas gavetas das cômodas e no guarda-roupa?
Não era ela que apesar de cansaço dos afazeres do dia a dia se esmerava no banho, nos trajes e nos perfumes, se fazia bonita e charmosa para que ele a visse e a desejasse com carinho e ternura?
Não era ela que quando em seus braços procurava demonstrar todo contentamento e prazer por estar sendo possuída por ele?
Mas tudo isto foi tão pouco, nada disto o agradou, nada disto o segurou, e em outros braços ele foi procurar por encantos e prazeres que nos seus na certa não encontrara, e assim depois de tantos choros e suspiros, resignada, num desafogo, ela se pós a sorrir, sorrir da sua sina, sorrir dos acontecidos, sorria por entre lágrimas, mas sorria, sorria das suas bobeiras, das suas fantasias, do seu envolvimento tão profundo naquele amor que ela julgava ser eterno.
Se levantando e olhando ternamente pra dentro de si, sentiu pena, pena por ter dado tudo de si e tudo saísse tão desastradamente, sentiu pena por ter empenhado todos os seus sentimentos naquele drama amoroso e ver todo este empenho naufragar fragorosamente.
Mas ela não teve ódio nem ressentimentos, longe disto, sua alma agora livre ecoava esperanças novas, fizera o que teria que ser feito, mas com ela o adverso aconteceu, ela amou a pessoa errada, mas apesar dos pesares foi um grande aprendizado, teve alguma serventia, marcas ficarão, e em seus momentos de desfazer olhando mais uma vez pra dentro de si, haverá de encontrar momentos de paz e felicidades, mesmo que não seja o bastante para que ela se reencontre totalmente, mas que seja o bastante para que recomece, para um novo sentido à sua vida, e que ela volte a amar com a mesma intensidade de antes, que seja uma eterna sonhadora, e ajuntará pedaço por pedaço do seu coração, ora destroçado e construíra um novo ser, nem será um novo ser, mas será ela mesma, mais bela, mais carinhosa e mais experiente, saberá por fim dar valor a quem realmente o merece, e na certa haverá de encontrar alguém que também lhe de o merecido valor, que a encante e a ame da maneira que ela sempre desejou e sonhou.