É essa solidão que mora ao lado do meu quarto
É claro que às vezes sinto solidão! Mas posso sair do meu quarto, ir e vir. Mas eu tenho minhas limitações!
Sempre da varanda vejo um conhecido que passa e me pergunta : _ Como vai? Ou um
_ Melhorou? E seu pai?
Eu respondo que vai tudo bem. Mas o que será vai tudo bem? Ficar numa cama deitado, esperando a hora do banho, do café, do almoço, do lanche e dos remédios?
Pois é essa solidão que mora ao lado do meu quarto! Meu pai!
Imagina que quando chega o médico, a fisioterapeuta, ele logo pergunta: _ De onde você é? Parece que eu já te conheço de algum lugar!
Parece que ele está querendo recordar do que esqueceu.
Ele está se perdendo dentro de sua própria história! Uma história de um homem vencedor, de um bom pai e de um bom marido.
Ele está perdendo a história de um homem trabalhador, de um grande marceneiro, de um artesão!
Ele está perdendo sua história, de ser um grande brincalhão, de contador de história e de tocar sua sanfona!
É esta solidão que mora no quarto ao lado do meu! Esta solidão que vive dentro dele. Quando procuro conversar, me faz algumas perguntas. Umas tem sentido, outras não.
_ Aquela mulher que veio aqui ontem é irmã da sua mãe?
_ Não pai é nossa vizinha, Dona Lenira, veio ver como o senhor está!
Não gosta de ficar fora da cama muito tempo. Se fica na varanda, dá logo uma desculpa pra ir para o quarto. Se senta na sala, todo cuidado é pouco. Pois tenta sair sozinho. E aí mora o perigo.
Quando escuta um barulho de serra, pergunta se é a dele e quem está usando. Eu digo que as ferramentas dele, estão bem guardadas.
Mas ele não as vê, e parece ser esse seu desejo.
Quando os netos chegam com suas crianças, ele mostra alegria, acena para elas, mas não dá nem um sinal de querer levantar da cama.
É essa solidão que é minha vizinha de quarto. Quando penso que no final de semana as coisas vão melhorar, casa cheia, nada. Continua lá enroladinho no lençol, as crianças gritam: _ Vovô! Ele só responde: _ Oi fia! Ele de lá continua, só, acenando sua mão.
É essa solidão que mora ao lado do meu quarto! Ele está perdendo sua história, perdeu seu caminhar que levava a netinha pra escola, que levava almoço para as filhas no trabalho. Ele está perdendo sua história, de tomar um ônibus e ir à sua Igreja, situada em outro bairro.
Já não tem interesse por sua sanfona, acredito até que deixou de ser flamenguista doente, pois antes queria ler o jornal, ver a página de esporte. Hoje nada lhe interessa mais.
E eu fico aqui com medo de que essa solidão que tenho como vizinha, me venha fazer companhia! Pois eu não quero perder a minha história. Eu escrevo, reescrevo, invento, reinvento , mas não quero perder minha história.