A MINHA CASA NÃO TINHA PAREDES.

 

 

 

Eu não sei o porquê de ter escondido de ti isso que agora, finalmente, eu resolvi e vou te falar sem o mínimo de constrangimento ou sentimento de culpa.

Entretanto, Minha Linda, eu vou te contar com toda a desenvoltura e elegância, assim como se comportam as uvas sazonadas que desfilam e que observei na vinha dos meus campos nesta manhã.

O fato é que o meu comportamento alicerçou-se numa desculpa e numa dúvida, a fim de que não precipitássemos uma decisão impensada que poderia nos levar a um triste engano.

Por isso, me furtei em dizer-te que tinha entre as minhas propriedade, uma casa mais ou menos próximo daqui, e que hoje te conhecendo melhor, me senti convicto de que ela satisfaria todos os teus desejos e todos os teus sonhos.

Bom, na verdade, a minha casa tem (180 m²) cento e oitenta metros quadrados de área, toda ela construída segundo o meu pedido e sob os meus olhares, tudo no estilo colonial, mas com as características de casa de campo e praia.

Vou tentar te demonstrar a minha casa, num sucinto memorial descritivo que passo a historiá-lo:

Ela é abraçada por amplas varandas nos dois lados, sendo que em um dos lados é banhada totalmente pelo sol da manhã, e o outro lado é o oposto, pois a tarde pousa sobre ela uma sombra relaxante própria para tirar uma sesta preguiçosa.

A vista é panorâmica e maravilhosa, pois dita casa se situa no alto de uma elevação, de onde nós podemos admirar as montanhas verdejantes, a infinitude do mar com as suas ilhas solitárias e perdidas.

À noite, quando nos dispusermos a namorar sozinhos, os nossos olhos se encherão deslumbrados com miríades de estrelas e constelações visíveis e, entre um beijo e outro, apenas nós seremos interrompidos pelos rumores das ondasdo mar  dentro da escuridão.

Esta casa é de uma arquitetura invejável, é muito bem arejada e as suas linhas elegantes contêm somente a perfeição e a graciosidade da reta, os encaixes e as supostas conexões são totalmente invisíveis, tendo em vista a perfeição e a sensibilidade do artífice que a construiu.

Minha Linda Senhora, eu também quero te dizer que ela é sabidamente aconchegante, pois as suas dependências além de serem amplas são também airosas, e o seu layout vivencial é inteligente e prático.

Como todas as mulheres gostam de saber dos mínimos detalhes, eu te informo Minha Senhora que as dependências íntimas, se constituem de dois banheiros sociais de padrão alto luxo que passo a descrevê-los.

A pavimentação deles foi coberta com mármore de Carrara, uma região da Toscana, e a junção das placas foram ajustadas com  filetes de ouro, com relação às paredes, são todas revestidas com azulejos italianos decorados com finíssimas motivações renascentistas.

As demais dependências são todas de fino gosto e versáteis, entretanto, deixo de te falar da adega por ser uma dependência totalmente minha, onde repousam os finíssimos vinhos oriundos das minhas vinhas com videiras da casta moscatel de toda a Itália.

Entretanto, também devo te informar que esta casa está sendo objeto da cobiça dos invejosos e dos especuladores imobiliários, pois já me ofereceram uma fortuna incalculável que acredito não existir dinheiro para tanto.

Mas, também devo te informar por uma questão de apego sentimental que não aceito as ofertas, pois não existe dinheiro algum que possa comprar a casa dos meus sonhos.

Loucura? Não!

Ela simplesmente faz parte da minha vida e é o meu próprio sonho, e para se chegar a essa insanidade de vendê-la, hás de convir comigo que seria um suicídio submetê-la aos especuladores sem escrúpulos.

Minha linda senhora, por uma questão de honestidade eu também devo te confessar que ela é totalmente inabitável, e não é pelo fato de a prefeitura local ter me negado o “Habite-se”.

Mas sim...

Calma, não te excites e nem fiques nervosa, pois vou explicar-te já, já!

A minha casa existe sim, mas só existe para mim, porque ela é um produto e uma construção dos meus sonhos.

Na verdade é uma casa virtual e totalmente onírica, mas, por favor, agora me explique o seguinte fenômeno:

Porque será que às vezes eu escuto uma de suas portas, bater com os ventos que sopram e vem do mar?!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 20/03/2007
Reeditado em 24/03/2007
Código do texto: T419892