Sem
Andemos,
Sobre essa mesa vazia que se estende a nossa frente,
Como dois famintos em noites baratas,
Sobre poeiras e doentes contagiosos.
Andemos sobre essas certezas mesquinhas que nos mantém atravessados,
Perdidos feitos recém-nascidos.
Andemos a sussurrar nossos nomes pra nossos corpos,
Convencendo-os de que estão livres.
Corremos por ruas e meses a fio, fingindo apagar nossos restos por trás dessa cortina dos olhos.
Fujamos de nós, crianças chorosas, perdidas como num primeiro banho.
Procuremos então, novos sons, novos corpos esquisitos, feios, bonitos, enganados pelo mundo.
Ao lado de nossas camas, um contorno aconchegante, um grito na garganta, mais um sexo em motel barato.
A casa refeita por cada homem que passou,
Serragens de vida, cheiro de café e gozo.
Sigamos refugiados de amor, declarando paixões a bocas carnudas, suculentas, ávidas de vida.
Na verdade, a lembrança da boca é o que mais dói, mas teremos tempo de experimentações.
E tempo de esquecer,
Haverá muito tempo para ti e para mim.
Tempo de amar mais mulheres,
Tempo de sexo mal feito.
Sobre a historia, haverá tempo de inventar e cessar.
Haverá a morte dos dias iguais, e talvez de um nascimento.
Sigamos em busca da fumaça, procurando um fogo que arda além dos ossos.
Sobre meu peito, deitarão cabelos sem tamanho,
Novas possibilidades, novas possibilidades.
Buscaremos então, o esquecimento, passivo e lento,
Da doença que já tivemos.
Sararemos ao ponto de acreditarmos na cura.
Manteremos a distância das palavras surdas, dos olhos ébrios de consciência.
Juntaremos nosso passado ao limite em que ele pertence, passado.
Ficaremos felizes por não sermos mais.
Mais doença, mais loucura, mais carne, mais amor.
Seguiremos então, ao anoitecer, cada qual com sua marca na casa,
Declarando já não mais conhecer, já não mais sim.
Não existe, é findo,
A construção, a melancolia, o sangue, o riso em torno de uma mesa de bar.
Seguiremos então felizes, curados pelo esquecimento,
E pelo Deus da misericórdia, transformados em história, em linha, em minutos contados,
Em contos.
Haverá um tempo onde perceberemos que devíamos ter tido um último sim.
E já será final.