Happy Hour
Especialmente ontem, meus personagens vieram pra jantar. E todos, diante de mim, como num ato sentimental de reencontro, ergueram seus brindes naquelas mesmas taças em que sempre sorvo o fel. O fel que contém o sêmen da poesia, Cumprimentei a cada um, abraçando, alegre pela sua participação empírica em tantos partos dolorosos que me fazem poetisa. Junto com todos cumpro meu projeto de
vida: os meus livros.
Muitas vezes atiro longe o meu ópio e mergulho em subterrãneos escuros. Entrego minha alma às contrações dos versos, sem anestesia, sem analgésicos, que os deformam... E eles (meus personagens) estão "ali", inquietos, sofrendo junto comigo, sentindo os dissabores, a perplexidade ante o imutável que a vida impõe à minha sensibilidade plena de líricos espantos. E como eu, eles não têm escola, pois para quem tem sede de poesia, estes detalhes não contam. Bastam-nos as sensações, o inesperado das imagens, o ápice e o desfecho sempre surpreendentes que falam direto à alma.
Especialmente ontem, para a glória da poesia, faça-se a eternidade! - foi o que eu brindei com meus personagens. Porque eu creio no sol que mora no fundo da minha alma, que me traz sempre de volta, de volta à minha eterna busca.