Lilases na estrada...
Pedalo em um dia azul, sem destino, sigo por um caminho novo, uma estradinha sem movimento, que eu não sei para onde vai me levar, nem sei o que encontrarei pelo caminho...
De olhos fechados, sinto o cheiro do vento. Mas vento não tem cheiro, é o que me diriam alguns...vento nem sequer se vê, impalpável, é apenas sentido. O vento para mim tem todos os cheiros que carrega,
o cheiro da terra, de mato, de flores, das pessoas...da fumaça dos carros, das frutas vendidas na feira que todas as quintas instala-se no trajeto do meu dia, do cheiro pungente da dama da noite que nas noites quentes de primavera domina meu quarteirão Tantos aromas misturados que são o perfume da (minha) vida e do (meu) mundo...
Na estrada desconhecida, em minha jornada só, pedalo mais, agora o caminho é azul de céu, verde de mato, roxo de lilases na beira da estrada... Amo ver os pássaros, seu canto, sua incrível
estrutura e beleza impecável, a magia que lhes é concedida de voar, livres, velozes, elegantes e donos de si.
Nessa estradinha tão pouco movimentada, onde passo por crianças soltando pipas e cavaleiros que tiram o chapéu em sinal de respeito e educação vejo um caminho que me leva a uma relva, uma
clareira, cercada de pequenas flores amarelas, por onde corre um fio de água, e acreditem ou não,o vento me traz o seu cheiro, água pura e cristalina...Percebo o quanto estou cansada, desço de minha
bicicleta, deixo-a de qualquer jeito, e deito, olho pra cima, extasiada com a perfeição do que vejo, tiro meus sapatos e mergulho os pés na água gelada,um momento de pura e simples entrega a felicidade que reside nas coisas igualmente puras e simples...
Por alguns instantes, minutos, horas? Não saberei precisar. Nos meus sonhos, eu estu voando, navego pelo vento, de braços, abertos e vejo o mundo tão pequeno, como se fosse de brinquedo, de repente, em queda repentina, vertiginosa, acordo no meu berço de flores amarelas devagar, o dia vai se desfazendo aos poucos, a brisa calma, ventinho contido, me trazendo de volta ao mundo.
Lavo meus pés, refresco minha nuca, bebo uns goles da água fresca, com um leve gosto de terra, visto meus pés...
Em minha bike, amiga, fiel companheira, extensão de mim pequena engenhoca de metal que me proporciona movimento
e liberdade, sigo meu caminho de volta, na estradinha de terra, com crianças felizes de pés descalços sujos de barro
cujas pipas dividem o céu com os pássaros, levadas pelo vento...Somente pássaros, pipas e meninas sonhadoras voam assim...
Surgem de novo os lilases, e mesmo com remorso por tirar a vida daquela delicada florzinha, colho uma delas e coloco nos cabelos,
sigo pedalando, aquecida, com o rosto marcado de sol...o cavaleiro que passa, e mais uma vez acena com o seu chapéu.
pensa consigo: lá vai a moça solitária, com sua bicicleta, e uma flor roxa no cabelo...e lá vai a moça, que solitária mas feliz, retorna
a (sua) realidade levando as lembranças dos cheiros do vento...sentindo-os com certa volúpia, tendo a certeza que tantos aromas, é que juntos, fazem o perfume do (seu) mundo...da sua (vida)...