135 - MEU PAR DE BOTAS, ADEUS!

Hoje estou aqui nesta vereda me despedindo deste par de botas que um dia já foi tão desejado, tão procurado, e entre tantas lojas finalmente o encontrei, mas somente depois de experimentar, experimentar, andar pra lá, andar pra cá, no espelho admirando, conclui, sim, este era o par de botas sonhado, era realmente tudo o que eu estava procurando para abrigar, proteger e enfeitar os meus pés, no tamanho exato, de amarrar, cano curto, na cor que mais gosto um marrom bem claro, um tanto opaco.

Caminhamos juntos por tantos caminhos, vivenciamos tantas aventuras por tantos rios, meu par de botas quantos segredos meus deixarei contigo, quantas alegrias e quantas tristezas, ficará parte dos meus sonhos e dos meus temores, ficará pedaços da minha esperança, pedaços das minhas certezas e das minhas incertezas, ficarão momentos da minha vida!

Estou me despedindo de você meu par de botas, e neste último abraço quero que sinta toda a minha alegria por tê-lo encontrado, todo o meu agradecimento pela sua companhia, pela amizade e por ter protegido tão heroicamente os meus pés, e toda a minha tristeza neste adeus, vou sentir saudades de você, alias já sinto vagar pela alma minha afora uma brisa melancólica que na certa irá me envolver, ficaras nestas barrancas deste rio, pois esta entre todas as alternativas possíveis senti que seja a melhor, pior seria levá-lo e abandoná-lo na lixeira da nossa casa de onde seria levado direto para o aterro sanitário.

Infelizmente meu par de botas, a vida tem dessas coisas, tudo tem um começo, um meio e um fim, você se desgastou pelo uso, pisos dos mais variados foram corroendo a sua sola, e sua cor? Desbotou e encardiu e profundos sulcos e rugas apareceram na sua face espelhando toda a sua velhice e não há botox neste mundo que consiga dar vivacidade à sua estampa, meu par de botas você já foi submetido a várias operações plásticas que em muito ajudaram a recuperar a sua performance, estes reparos lhe deram uma sobrevida e recuperaram partes de sua antiga formosura, mas hoje as suas condições físicas são tão precárias que não mais suportaria tais operações, ou melhor estes reparos, estes consertos, não há como operá-lo para que uma nova meia sola substitua a antiga, sua pele facial que já perdeu toda a elasticidade, enfraquecida e corroída não resistira a novas costuras e a novos remendos.

Meu querido par de botas você arriou com o peso da idade e não há silicone que consiga levantar este seu traseiro, ou melhor esse seu calcanhar arriado e flácido, todos os seus ponteados se alargaram e afrouxaram e tudo isto por minha absoluta culpa, pois ao caminhar sem preocupação alguma com você por pastarias orvalhadas, por barrentas curvas de níveis, brejos e beiradas de rios, você meu par de botas foi se encharcando, foi se alagando e alargando, deformando e apodrecendo, até um mau hálito você adquiriu, dizem que este mau hálito se chama chulé.

Desesperançamos ao sentir que inexiste um só tratamento que produza significativas melhoras neste seu já precário estado físico, o tempo é curto não se espera por milagres, conformemos e aceitemos esta nua e crua realidade, meu par de botas seus dias chegaram ao fim e eu não tenho alternativa alguma que seja melhor que te abandonar nestes confins de mundo, ficarás ao relento, ao sol e ao vento, na chuva e nas intempéries, mas não ficarás jogado sobre a terra em meio aos entulhos, mas de uma maneira singular, ficarás pendurado na galhada mais alta desta árvore que denominamos de sibipiruna e à sua frente este inesquecível rio, o Taquari, e mais adiante toda a beleza destas paisagem do nosso querido estado do Mato Grosso, paisagens estas que com toda certeza tanto você quanto eu muito amamos!

O destino é cruel meu par de botas, pois só se tem algum valor quando se tem alguma serventia, e você todo alquebrado e desprovido de serventia és agora um lixo!

Sim!

És um lixo, inservível, coisa desprezível a ser abandonada!

Resta-te por consolo que todos nós temos esta mesma sina!

Sim!

Somos iguais!

Mais dia, menos dia, todos nós nos igualaremos no lixo!

Cada ser com seu prazo de validade, e inexoravelmente o tempo vai corroendo os nossos dias, desgastando os nossos corpos, fadigando as nossas juntas e num dia destes quaisquer também seremos abandonados nas lixeiras de frios sepulcros e sentiremos agradecidos se alguém atirar uma flor sobre os nossos caixões suspirando saudades, e num último alento que a alma minha da covardia afastada se permitido for que pergunte ao imperscrutável:

- Em quantas lembranças haverei de sobreviver?

Meu par de botas, na minha lembrança você já sobrevive...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 18/08/2012
Reeditado em 25/05/2013
Código do texto: T3837386
Classificação de conteúdo: seguro