Dona Cotinha e o Sentido da Vida
Dona Cotinha levantava cedinho. Gostava de encontrar as “amigas” para colocar o papo em dia.
Com mais de oito décadas, andava devagarinho, olhinhos atentos, boca franzida.
Assim que via “as meninas” se regalava. Tinham assuntos a tratar, certamente.
A primeira havia acordado com dor na coluna. A segunda, rapidamente respondia com autoridade que dor “de coluna” não era nada, inchaço nas pernas... ah, isso sim!
Dona Cotinha só ouvia.
Deixava cada uma descrever as doenças que brotavam na madrugada e só então descrevia suas próprias tormentas: coluna era café pequeno, já sofria daquilo há anos. Inchaço nas pernas? Desde menina, tratado com chá de quebra-pedra! E a espinhela caída que incomodava desde que o falecido tinha resolvido comprar colchão de mola? Um martírio!
Agora... terrível mesmo era dor no nervo “asiático”. Este sim era de matar! Elas nem imaginavam! Era dor e gemeção a noite inteira!
As “meninas” concordavam com despeito.
Cotinha era uma exibida, pensavam com uma careta.
Dor mesmo era a que sentiam nos rins, nas ancas, nas juntas enrugadas e na goela que incomodava dia e noite. O resto era moleza!
E assim Dona Cotinha passava as manhãs. As meninas também.
Ora falando de doenças, cada uma mais terrível que a outra, ora trocando receitas de chás, endereços de médicos e de benzedeiras que curavam tudo, até mau-olhado.
Quase na hora do almoço, se despediam e deixavam Gumercindo, o porteiro, atônito. Com tanta doença, como é que elas ainda estavam vivas? O pobre se perguntava a cada manhã.
E no dia seguinte as “meninas” tornavam a se sentir importantes com as dores e mazelas que surgiam durante a noite.
E assim a vida passava.
E assim a vida se transforma.
Incrível como nossos parâmetros mudam e nos tornamos Donas Cotinhas da vida sem perceber.
Impressionante como passamos a dar valor a tantas coisas absurdas e esquecemos das que realmente importam.
Na solidão, até doença vira coisa decente para nos sentirmos um pouco mais gente.
Imagem: google.
Dona Cotinha levantava cedinho. Gostava de encontrar as “amigas” para colocar o papo em dia.
Com mais de oito décadas, andava devagarinho, olhinhos atentos, boca franzida.
Assim que via “as meninas” se regalava. Tinham assuntos a tratar, certamente.
A primeira havia acordado com dor na coluna. A segunda, rapidamente respondia com autoridade que dor “de coluna” não era nada, inchaço nas pernas... ah, isso sim!
Dona Cotinha só ouvia.
Deixava cada uma descrever as doenças que brotavam na madrugada e só então descrevia suas próprias tormentas: coluna era café pequeno, já sofria daquilo há anos. Inchaço nas pernas? Desde menina, tratado com chá de quebra-pedra! E a espinhela caída que incomodava desde que o falecido tinha resolvido comprar colchão de mola? Um martírio!
Agora... terrível mesmo era dor no nervo “asiático”. Este sim era de matar! Elas nem imaginavam! Era dor e gemeção a noite inteira!
As “meninas” concordavam com despeito.
Cotinha era uma exibida, pensavam com uma careta.
Dor mesmo era a que sentiam nos rins, nas ancas, nas juntas enrugadas e na goela que incomodava dia e noite. O resto era moleza!
E assim Dona Cotinha passava as manhãs. As meninas também.
Ora falando de doenças, cada uma mais terrível que a outra, ora trocando receitas de chás, endereços de médicos e de benzedeiras que curavam tudo, até mau-olhado.
Quase na hora do almoço, se despediam e deixavam Gumercindo, o porteiro, atônito. Com tanta doença, como é que elas ainda estavam vivas? O pobre se perguntava a cada manhã.
E no dia seguinte as “meninas” tornavam a se sentir importantes com as dores e mazelas que surgiam durante a noite.
E assim a vida passava.
E assim a vida se transforma.
Incrível como nossos parâmetros mudam e nos tornamos Donas Cotinhas da vida sem perceber.
Impressionante como passamos a dar valor a tantas coisas absurdas e esquecemos das que realmente importam.
Na solidão, até doença vira coisa decente para nos sentirmos um pouco mais gente.
Imagem: google.