Iceberg
Esse pequeno suvenir do Ártico que me tornei é agora a única lembrança que me resta das enganações passadas. Nunca tive vocação pra ser otária, nunca acreditei nas pessoas logo de cara. Nunca permiti me entregar sem temer riscos, nem me perder substancialmente nos olhos de alguém que admiro. Apesar de todos os meus milhões de sonhos acordados, meus devaneios infindáveis, minha piscianice nunca me subiu a cabeça ao ponto de enxergar em uma pessoa a total capacidade de tornar meus sonhos possíveis - ou sonhá-los junto a mim. Ou melhor, houve uma vez. Bastou. A inconfiabilidade, dantes sendo apenas uma defesa, se tornou um ataque. A distância calculada meticulosamente para me trazer paz e segurança aumentou a fim de não deixar nenhum detalhe escapar e ninguém se aproximar. De incerteza, ensopei quatro travesseiros. De desilusões, eu já afundei três navios. De amor, eu transbordei sete mares, inundei treze cidades, reguei nove florestas e deixei dois dedinhos no copo pra tomar meu sonrisal. Enquanto não chega a minha hora de secar, resolvi congelar. Diminui estragos.