(Prosa nada poética)


[ silêncio...]

 

- Que te trazem em  caixas douradas, os dias?

- Pensas ser a esperança?  Não... os dias são anos sem alegria

- Falas  da alegria  de ouvir os pássaros, 

de  captar o adeus da borboleta ao casulo, do abraço, do riso, na

sombra de um abajour ou candelabro aceso
que dança na parede

do desejo?

 

- Não...falo do amanhecer  que bate na janela , em toques

ríspidos, como a dizerEu te acuso!  Eu te condeno!  Eu te

desprezo, não saias! Não te atrevas,o dia é meu, as cores  são

minhas, o rio é de minhas terras
!

Os pães estalam  e seu cheiro  entra pela porta, frestas  e

janelas
mas não são  para mim; o carinho do vento no rosto  é

para os galhos
. Para  mim, tudo acendeu e apagou; resta o fogão

quase frio,o borralho.

 

- Que te acontece no escorrego de mês após mês; que seria para

ti um ano?

-  Um ano... é como um século de uma história medieval escrita a

dor e sangue
, a  perseguição, luta e condenação;  são séculos de

duelos e escravidão
; resta a lacre do decreto superior , as letras

que promulgam  o castigo, talvez as algemas presas ao pelourinho,

guilhotina ou fogueira, a dor. Para mim, fuga, quilombo;  a lâmina

não descer, a chuva o fogo arrefecer.

 


- Diz-me então o que  te esperaria , após incontáveis dores, um

século?

- Já não sei.... deixas-me  sem teto, sem chão,  privas-me de

proteção
...  talvez  erguer os olhos ao céu e viver um infinito

implorando o perdão

 

 

imagem : William Waterhouse