"NATURAL I"

Valdemiro Mendonça

Nem grilos, nem pios de pássaros, nada... Até o vento parou de soprar,

aquietou-se o murmúrio do ribeirão,

as vozes da mata estavam caladas, tudo tão quieto que eu pude escutar,

o bater afoito do meu coração!

A lua cheia se infiltrava pela mata, iluminando toda a margem gramada,

no local onde eu pescava...

Num banco de areia, abaixo da cascata, vi um coelho de branca pelagem,

e a cobra que o assustava!

Pude perceber que o bichinho tremia e que talvez por instinto ele soubesse,

que ali se acabava a vida...

A lingua bifurcada da grande cobra se mexia, como se alguém lhe dissesse,

que a janta estava servida!

Era o horror acontecendo em poucos minutos, na mata verde e misteriosa,

mas, onde tudo é natural!

Num golpe seco, rápido, muito violento, como uma flecha ligeira venenosa,

a cobra deu o seu bote fatal!

A bocarra aberta segurou o bichinho indefeso que emitiu um longo chiado,

como num grito derradeiro...

Foi se enroscando toda no corpo do coitadinho, num abraço tão apertado,

que lhe quebrou o corpo inteiro!

Eu acompanhava tudo atentamente, sentindo-me um cúmplice naquele drama,

ali se desenrolando...

Ouvi bem nitidamente, no inexorável arrocho daquele corpo cheio de escamas,

os ossinhos se quebrando!

Os ossos furando o couro da vítima, que antes era tão claro como lã de ovelha,

deixou o animal exangue...

Num ritual insensível e demorado, aquela pele agora, estava tinta e vermelha,

pintada com o próprio sangue!

Depois foi engolindo sem nenhuma pressa, a massa sem vida e sanguinolenta,

onde antes a vida, fazia festa...

Antes de o barulho retornar, o predador coleando, vai se afastando lentamente

para o escuro da floresta.

A minha vara de pescar na barranca bem enfincada, agitava-se batendo na água

puxada com violência...

O som voltou quando toda a mata foi despertada! Não restou nenhuma mágoa,

exceto na inteligência!

Ainda um pouco assustado, puxei o peixe fisgado, uma traira de bom tamanho,

que dava saltos de aflição...

Segurei-a apertado, desengatei o anzol com um sentimento de poder estranho,

de ter a vida e a morte na mão!

Tentei ignorar, mas, não deu! Tanta vida palpitante, num cenário de tanta beleza,

fez-me o peixe soltar...

Alguma coisa me amoleceu, e mesmo sabendo ser eu simples parte da natureza...

Que droga... Aprendi a pensar.

Trovador.

Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 25/04/2012
Reeditado em 25/04/2012
Código do texto: T3632367
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