Cartão de memória

A velhice me pega de surpresa. Vez ou outra, de tempos em tempos, sinto um cansaço do tamanho do mundo, uma tristeza de outrora e uma solidão premonitória. Pareço estar sozinho comigo mesmo, e não sinto outra vontade senão a de ficar deitado o dia inteiro em minha cama com meus lençóis prediletos. Se me levanto é para tomar mais um gole de café, ou analisar-me mais uma vez diante do espelho, me perguntando há quanto tempo tenho estas olheiras ou de onde viera estas rugas. De tempos passados, digo eu, de medos e angústias, amores e dores que já se passaram. São algumas das marcas deixadas pelas pessoas que passaram por mim e invadiram meu coração, tal como todo o resto do que eu agora me encontro a minha frente.

Tudo o que eu sou são cicatrizes de um eu mais jovem, aparentemente mais corajoso, valente, e que, por alguma razão, desperta a minha simpatia, mesmo sem eu saber muito bem o que ele é ou fora, onde está agora ou pelo que tem passado. Decido então traçar um perfil deste jovem, e descubro que ele tem bem mais coisas em comum comigo do que eu esperava: apenas os tempos é que mudaram. Eu não estou velho demais para fazer tudo o que este jovem fizera, lutar tao bravamente por suas crenças, eu simplesmente não tenho mais porquê fazê-lo: o que antes me incomodava já não perturba mais e, por alcançar esta conquista tal, é como se eu tivesse passado de nível para uma nova maturidade. Maturidade esta que logo se prostrará sobre mim, exigindo uma atitude proporcional ao meu nível, como o desafio final de um jogo eletrônico ou o clímax de um novo livro de uma grande série.

Entretanto, enquanto isto não ocorre, eu continuo na barra de carga do jogo, aguardando ansiosamente temendo que o tal disco tenha riscado ou sujado e eu seja obrigado a começar tudo denovo. Não, é que a próxima fase simplesmente é pesada demais para ser carregada de uma vez só, e se eu ainda estou submisso ao tempo deste pêndulo é porque estão recarregando as energias do meu personagem para uma nova missão.

Sim, ainda há muito o que lutar e esta minha velhice talvez seja meramente instantânea. Afinal, ainda há tanto a se fazer, e não apenas eu sei disso como ainda o Jogador Desconhecido que têm me acompanhado desde o início com o joystick em mãos, tentando de todas as formas fazer com que eu não perca, com que eu passe de fase. Porque se eu perder, ele perde também -- por mais que nossas batalhas estejam gravadas em um cartão de memória. Nossa experiência sobre o tal jogo é o que nos guinará para frente. Porque afinal, a missão ainda não fora cumprida, o jogo ainda não terminou. E nós ainda somos tão jovens!