SEM VAGAS
Eu não recito mais aquelas velhas poesias sobre nós nem escrevo cartas poéticas com despedidas forçadas, endereçadas a um senhor que olvidou as minhas carícias. Não há mais linhas em branco para serem preenchidas por palavras, afoguei-as, quase todas elas, em meu lago de lágrimas, privando-as do renascimento, da libertação da minha alma, aprisionada nessas páginas antigas daquele velho romance empoeirado em que éramos felizes.
Não vejo mais a lua, tampouco céu estrelado, tudo é tão cinza, tão carregado de nós, que simplesmente passamos da conta, da medida certa, transbordamos tanto que não sou nada, apenas excesso. Não quero mais aquelas velhas valsas repetitivas, sentir o girar dos corpos movidos pelas marchinhas românticas de uma poesia musicada. Não me agrada mais a união em ritmo, dos dedos entrelaçados, de uma felicidade que dura apenas o tempo exato de uma dança, de um bailar definido.
Ando ansiando uma liberdade desmedida, mas ainda previamente planejada; uma liberdade que ao ponto que me liberta, me prende na certeza de um amanhã, de recomeços sinceros e beijos profundos. Eu quero um amanhã recheado de nós, porém com espaço para mim, ser apenas amor por você não anda completando minha cota de felicidade. É preciso nascer em mim e caminhar até você, ou até uma ilha mais próxima, ou mais distante. Não quero ter trilhas previamente traçadas, que somente podem ser seguidas por nossos pés, eu também quero escolher minha rota marítima, mergulhar no bálsamo do meu amor próprio, antes mesmo de afogar-me em você. Não vou permitir ser uma repetição definida de amor, quero a nostalgia do imprevisível, do incerto, mas seguro. Eu quero que você ocupe meu interior, mas deixando vãos imensos para serem preenchidos pela melhor parte de mim.
Não há mais vagas para você, e espero mesmo que se contente com a parte que lhe cabe em minha vida.
— Sem Vagas