Olhos de caravela
Meus olhos se transformam em caravelas que partem sem rumo por mares ainda revoltos, sempre buscando uma rota que faça meus lábios naufragarem em seus lábios de vertigem, evaporam as minhas insanas necessidades que mapeiam os centímetros do seu corpo. Sou como uma proteção epitelial que não desgruda da efêmera sensação de ser o corpus da nossa particular galáxia. Somos amantes que não se tocam e apenas se despem das saudades mais atrozes que nos transformam em meras marionetes do destino.
Meu coração é como uma vela dessas insanas caravelas que não se findam em nenhum horizonte, somente quando seus olhos embriagam meu crepúsculo particular e lampejam a alma dessa que vos escreve as cartas mais polidas de amor que jamais serão lidas, somente olvidadas em uma gaveta de uma cômoda qualquer, de uma cerejeira que não produz mais flores, não permite que o mundo inspire o perfume almiscarado da nossa comemoração de outrora verdades que não se concretizam diante dos fantasmas dos nossos medos que correm soltos, livres e selvagens pelo nosso jardim de peônias ressecadas pelo sol das nossas infindáveis discrepâncias românticas. Não somos mais Romeu e Julieta, meu amor, nos cansamos dessas valsas que não se findam, dessa repetida nota musical que apenas exalta um amor cortês que não mais canta as valsinhas carnavalescas de amores adormecidos. Estamos aprisionados nesses mesmos mares indescritíveis, com ondas de silêncio que nos afogam a cada partir de um porto desconhecido, de um corpo que não mais abriga. Perdidos na inocência de uma mera mentira contada incontáveis vezes, “seremos eternos” – sussurrava quando não mais me via, tampouco sentia as carícias que minha língua ainda ousava lançar em sua pele angelical, tão pálida quanto a lua que se estende em um canto qualquer da noite, mostrando as poucas alegrias inglórias das estrelas que não mais brilham sobre nossas caravelas de coração.
Estamos ilhados em nosso próprio medo, meu amor. Ilhados em sentimentos que não mais entendemos, que esquecemos as rotas da volta para corações que deveriam ser tempestade, quando se perdem no sono profundo do silêncio obrigado. Éramos um romance: eu, você e as estrelas. Sobraram apenas as ondas sem palavras, que nos fazem mergulhar cada vez mais fundo nas profundezas da dor de estarmos somente e só: separados.