O se despiu.
O sol despiu-se das suas roupas celestiais e reluzentes que aquecem as flores que se espreitam pelo jardim, todas as manhãs dessa vida lúgubre aos olhos de quem não sente, e efêmera de acordo com as pálpebras semicerradas das almas desprovidas de solidez. Eu sento na varanda para sentir os manifestos da noite que se desdobra entre pinheiros e capim silvestre, permitindo que os laços da escuridão aprisionem os pontos dos suspiros de tolos desabrigados. Retiro algumas horas limpas do meu dia, para continuar sentada, aqui em minha varanda de cerejeira, escrevendo cartas poéticas, abarrotadas de palavras saudosistas que escorrem pelas linhas firmes desses papéis imaginários que possuo, sempre deixando um adeus interminável em cada ponto que ouso colocar ao término de uma lágrima traduzida em verbos necessitados de complemento. Não há mais a mesma vivacidade da outrora sinfonia das minhas memórias; tampouco me permito caminhar pelos cômodos vazios da minha casa esquecida pelos raios de sol que agora não mais deslizam sobre os pequenos montes que não se curvam diante da escuridão do solstício inesperado dos meus temores, acarretados pelo poderio do meu equinócio de palavras.
Não prego mais fotografias nas paredes pálidas da minha alma, nem recito catedrais de sentimentos de outros poetas destemidos, somente me aqueço dessa solidão, lançada das folhas umedecidas por um orvalho fluente de cantigas audaciosas; uma particular cantoria de crianças do vale das minhas amarguras – pequenas crianças desprovidas de um bocado de mim que se perdeu, sem regresso, sem data de retorno. Eu tenho rabiscado mais sobre a mesma incerteza da noite, tal qual as cores soturnas que se desprendem da copa das árvores e se esguiam tão formalmente por entre as vielas de folhas secas, assim como a noite que se comprime em devaneios – não mais poéticos – das estranhas demências que ainda bailam frente à fogueira das minhas cartas de amor, ainda não escritas a mão, somente silenciadas em mim.
Será mais uma noite de enfadonhas tristezas e indiscutíveis sensações que embriagarão a minh’alma, e partirá em mil partículas de estrelas os intermináveis relatos da minha necessidade em ver o sol. Contudo, meus olhos somente avistam a névoa inquietante de uma noite fria, acalmada pela fina chuva que tenta conter a morbidez dos meus pensamentos. Eu estou partindo, sem mover meus pés, sem fazer minhas malas. Estou partindo de mim mesma, das minhas angústias que não se calam com a nudez do sol, tampouco se espreguiçam sobre minha cama e somem. Estou partindo porque essa cabana em mim, não é mais capaz de abrigar os fantasmas do nosso incultivo jardim de flores primatas.