Texto para dois - Parte 2

(Entra no quarto o homem. Ele tenta um beijo na esposa, mas consegue apenas um rosto virado, por isso beija face apenas. Sem mais ele vai para o banho.)

Ela: Você parece cansado. Não tem falado muito, tem dormido cedo, acordado cedo, saído em silêncio. Canta baixo no chuveiro e eu nem lhe ouço. Você está cantando? Eu hoje fiquei aqui em casa o dia todo. Não que não tenha sido assim nos outros dias também, é claro. É só que eu queria dizer isso mesmo. Alguma coisa.

Ele: Não precisa falar se não quiser.

Ela: Eu quero. Ou não. Você está cansado? Não quer falar? Quer ouvir? Quer que eu vá aí? Eu podia... Não, deixa pra lá.

(pausa)

Ele: Não, eu não estou cantando e não precisa vir não.

Ela: Eu podia fazer coisas incríveis. Nós podíamos.

(pausa)

Ele: Vem.

(pausa)

(Ela sorri levemente, gostando do chamado dele)

Ele: Eu já acabei.

(Ela entra, mas ele sai e senta na cama.)

Ele: Você tem estado muito distante, sabia? Eu já nem me lembro do seu gosto. Mas era bom eu tenho certeza. Era bom. Eu também me afastei. Me afasto! Mas é porque estou com vergonha do meu corpo. Estou magro, minha pele está seca e tem até algumas feridas. A maldita doença está me consumindo. Não lhe falei nada antes porque sinceramente eu não tive coragem de dizer que vou acabar partindo antes do previsto. Antes dos primeiros sintomas eu quase sugeri um filho. Nem sei se você queria. A gente não se fala há muito mesmo.

Ela (sai do banho): Você me ouviu?

Ele: Não.

Ela: Que pena. Eu estava cantando pra gente.

Ele: E você? Me ouviu?

Ela: Não.

Ele: Que bom. Estava só querendo tomar seu tempo mesmo.