O Ramalhete
Hoje o dia está sombrio, triste e envelhecido, à sombra da pífia luz de minha aurora. Há nuvens passageiras que me enchem de dor e de remorsos. E cada dia se faz noite no cair do amanhecer.
Não é mais de dúvidas e de receios que minha alma precisa. Não quero mais me machucar, trilhar por caminhos tortuosos que me levem a erros descomedidos. Quero retratar os meus impulsos e como disse outrora, relembrar que quero aprender a ser novamente um menino a altura de meus atos que ainda podem ser tão doces.
A vida pode assim ser retratada como uma abismo sem fim, onde nos lançamos sem destino aos arrabaldes de um destino onde súcias transpassam os mais belos sorrisos, ou alguem te sorri a viva luz. Nada disso é gratuito, é meu coração que fala agora, é por ele que peno a cada minuto por uma existência que não volta mais. É tão lindo o inverno quando é o frio que lhe apetece. É tão vil a primavera quando não se tem motivos para admirar o colorido das flores. Aquela que todos tememos, ela sim, que veste negro, nos arredios e longínquos rincões da existência, não bate a porta, tampouco pede para entrar.
Ora ora, o pulsar de nossas veias é um prêmio angelical! Tão divino e tão sórdido aos olhares ingênuos de reles mortais resignados a sofrer por amor, o melhor dos calipígios humanos. Meu Deus, que dia fechado. Injusto posso ser nesses momentos onde um copo de rum tem mais valor que mil palavras. Quão ousado é aquele que alimenta o desejo de crer no sentimento alheio. Quão determinado é aquele que se entrega. A precondicionante de toda uma razão de existir. Ou aquele que agrega valor à razão ou a origem de todo esse pranto. Patinam esses ventos ardentes que me cercam e de nada me consolam. Gratuitamente sou exposto a emoções que sem pudor expulsaria de meu peito. Quantos pronomes possessivos haverei de utilizar-me? Mesmo nas ênclises que assim os incluem. Ó o outono... Como são as estações... Definidas ou não são latentes por onde passamos. É como um estado de espírito que se agiganta pseudópode ou elegante como um féretro, pelo ar que respiram, ou conteúdos que não significam mais nada, apenas simboliza uma passagem perene, se é que a contradição me permite, ante os mistérios que nem a trindade saberia explicar.
Ah, o verão, este sim é colorido mas não há flores. Elas sim me enchem de esperança. E mesmo com tanta beleza, são vazias e impróprias. A inspiração dos apaixonados que reage ao conjunto mais belo, por entre fitas e encantos de rubras amarraduras que enchem aos olhares sedentos por luxúria e compaixão. Amor? Não... Este está fora do alcance de nossas mentes ainda mais vazias, que sequer preocupam-se em compreender, se é que isso é possível, a nossa presença hoje, aqui, neste mesmo segundo, para que...enfim... vejamos este dia já tão fechado. A real necessidade é o peso daquilo que valorizamos, que cativamos. Tão pequeno é o sentimento que compra com o perfume das rosas, o charme dos lírios ou a altivez espontânea das tulipas. Estas estão como nós, impacientes pela terra que nos acolhe, que nos alimenta, ocas porém lindas, vibrantes contudo mortas...
Mortas pela embriaguez covarde que tolheu sua razão. Que não as souberam cultivar. E pagam um preço humilhante daquilo que jamais irão receber, que é a única que vos pede, tão singelas, tão servis. Doam pois suas vidas para por alguns parcos momentos alimentar outras... É o apagar de uns para o acender soberbo de tantos. Não é com ira que se possa isso exprimir ou com falsas fleumas dirimir, mas pela iminência da verdade que pra sempre resplandecerá.
Todavia sedes vivas, pois são nesses pequenos momentos que cosemos a fibra do amanhã. E nele está contido o ramalhete, fruto de todas as razões possíveis que possamos rotular. Este não só de flores mortas, mas de sorrisos, de abraços, de uma lágrima de alegria que seja frente a uma conquista, seja qual for. Mas que seja verdadeira. Que seja como o dito popular, eterna enquanto dure, real, vivaz. Que o novo enlace seja o símbolo de um recomeçar glorioso, onde borboletas delicadas, transformadas, povoem nossos sonhos diários como lampejos cadentes da aurora vindoura, que não se envergonhem da essência de inseto como a própria borboleta, e que o último suspiro não seja tão breve.
Pronto, o arranjo está bonito. Tão belo que me faz chorar. Tem as cores de minha face, desbotadas e incrédulas, mesmo assim as quero próximas. Afinal assim sou, e só assim sentirei o fino perfume da obra. Tão leve e tão sutil quanto o perfume do gênesis, do alfa de minha vida. Leve consigo o ramalhete, ele lhe será útil. Fará lembrar-se de mim. E de que um dia olhaste pela janela e nem mais recordaste que viu este dia tão frio...