A RUA DO SECO
Recebi uma mensagem de uma amiga que transportou minhas lembraças para o interior da Bahia, mais precisamente para Nazaré das Farinhas, cidade onde nasci e vivi a minha infância.
Na Rua do Seco era assim: as janelas ficavam abertas, as portas também e quem passava por elas via e participava do que estava ocorrendo lá dentro das casas. Sentia-se o cheiro das comidas e dos doces sendo preparados; ouvia-se, sem muito esforço, os sons das conversas e das cantigas vindos lá do fundo das casas. As cortinas balançavam e voavam para fora das janelas. Todo mundo se conhecia - a vizinhança era uma família só. Aliás, até hoje não sei bem porque a chamavam de Rua do Seco. Lembro-me que existia uma placa azul com letras brancas que dizia: Rua Ferreira Bastos. Era no número 11 que eu morava. Mas todo mundo só a chamava de Rua do Seco. A rua começava numa pequena ponte sobre um riacho que desembocava no rio Jaguaripe . Tinha casa somente de um lado. Do outro era um imenso terreno baldio, aberto, sem cercas nem cancelas , com árvores frutíferas que qualquer um podia usufruir e um grande campo aberto onde pastavam livremente cavalos, jumentos e jegues. Só mais distante é que se localizava o Hospital da Misericórdia, perto do Curriachito , uma rua adjacente que não tinha saída. Verdeiro paraíso! Lembro-me que uma vez, brincando com meus irmãos e vizinhos nesse imenso terreno baldio, num ingazeiro carregadinho de frutos, quis dar uma de Tarzã e caí em cima do meu braço esquerdo e... quebrei o rádio e enverguei o cúbito - os dois ossos que compõem o antebraço. Foi um auê na rua pelo resto da tarde e noite a dentro . Primeiro um verdadeira procissão de ida e depois uma procissão maior de volta do pequeno consultório de Dr. Tourinho, único médico da cidade e que morava também na mesma rua. Nos dias e meses que se seguiram era uma romaria constante na porta e no passeio (leia-se calçada) lá de casa - todo mundo sofrendo com a minha dor e a minha recuperação. Por causa desta estrepolia fiquei privado das matinês do Cine Teatro Rio Branco (o mesmo que recentemente foi adquirido pelo jogador Vampeta com intenções de transformá-lo em um centro sócio-cultural). Adeus cinderelas, tarzãs, zorros, mosqueteiros, damas e vagabundos...