Sobrevida...
Caminhei por meus escombros. Logo ali em minha esquina predileta encontrei-o a sorrir. Sentado em um dos meus versos, um garotinho, um anjo de olhos brilhantes a beliscar pensamentos. Bem sabia eu, era mera aparência. Nada tinha de inocência. Seus olhos cresceram, amadureceram ao fitar os meus. Retrocedi, procurei aquela vala, aquela em que me escondo quando preciso de uma trincheira para rabiscar o chão.
Ao levantar meu dorso observei as cortinas voando de fora para dentro e sua gargalhada tão cristalina rompendo meus diques. Caminhou em minha direção com suas frases, com suas faces, com suas navalhas de letras em punho. E as minhas, todas elas, foram caindo do teto aos montes, em segundos... A poesia que te fiz, a primeira, agonizava em um canto, esquecida. Outras tantas escondiam-se por debaixo das cadeiras vazias, ardiam em solidão. Nuas não encontravam um abrigo, uma a uma, morriam, lambendo o chão.
Lembrei-me de uma época em que sentia o piso sob meus pés, tentei um salto, em vão... Arrastei-me, encolhi-me. Lágrimas desciam dos céus, e você, incólume aproximava-se a devorar-me sem toques, não mais menino, não mais anjo, um homem...
Cavei, escavei na eternidade. Unhas dilaceradas, joelhos em pele viva. Sua cova, nossa cova. Não mais queria ser um brinquedo em sua alcova... Deitei-me, ofereci-me em troca de sua boca.
Enquanto de mim degustava, enterrei-te, cimentei teu sorriso em esquálidas entrelinhas. Perdido em seu paraíso não sentiu o gosto do perigo.
Sobre sua lápide, ergui minha escrivaninha e ouço sob minhas palavras o pulsar do meu coração torturado entre larvas... Da carne fresca dos meus anseios e do sangue que derramo de minhas letras, apenas, sobrevivo...