RECONCILIAÇÃO

Nós havíamos brigado. Tinha sido a primeira vez, assim como tudo em nossa vida, não sabíamos como era, como deveria ser, o que sentir. Ficamos pouco mais de cinco ou seis prolixos dias sem nos olhar, sem trocar uma carícia, um sussurro qualquer; com repulsa que ardia na pele e uma febril cobiça de corpos, que nos faziam viajar por entre sonhos majestosos. Ela passava como um fantasma pelas ruas, sem distribuir brilho, nem vida, com passos pesados de pássaro agora sem asa e obrigado a caminhar entre os humanos. Eu, por minha vez, mais triste do que calvário de virgem, cabisbaixo ficava escorregando entre as labaredas do destino, rindo pelas lágrimas insanamente internas providas do meu coração despedaçado e meu firme ego. Éramos estranhos inexplicavelmente apaixonados um pelo outro. Desconhecidos de olhares.

As noites eram as mais difíceis, quando o mundo inteiro se colocava em silêncio, e eu apenas podia ouvir o choro do meu coração que implorava por sua volta, pelo retorno da primavera que não cedia aos meus chamados. Envolvia-me em cobertas com seu cheiro, o sabor calmo das tuas palavras se transformando em beijos, a sensação do teu doce aroma valsando diante a minha epitelial fraqueza. As recordações das longas horas de amor carnal, que atropelavam as impossibilidades da realidade, e silenciava uma multidão de iguais que caminhava um ao lado do outro sem entrelaçar as mãos. Quebrávamos o sistema da palavra neutra, das carícias programadas, dos recitais sem sentimento, porque simplesmente nos afogávamos com roupa e tudo, sem se preocupar com a identidade de nós dois, dos nossos beijos, do nosso amor.

E nós havíamos reconciliado o amor. Um sorriso, uma conversa sem prolongamentos, uma pressa para ter o quanto antes, o que um dia fora tomado pelo vento, pelos dias, pelas horas, pelo tempo. Logo em seguida, uma lágrima singela, envergonhada, no canto dos olhos sussurrava um “perdoa-me”? E todas as paredes de afastamento se quebravam para dar espaço ao silêncio, aos pensamentos que vagavam soltos, livres, se misturando com as possibilidades, delineados por lápis de cor em uma folha branca, desenhando casas, rios, árvores e tormentas; um menino que corria sem pretensões, uma donzela que segurava uma boneca de pano, um pássaro negro, uma rosa, um cravo, uma ciranda… E tudo passou, até mesmo o silêncio. E os olhos voltaram a ser fieis conhecidos para todo o sempre, enquanto durar. E nós havíamos amado mais, permanecendo amando. Regressado ao amor, não deixando fugir. Errado, ainda errando, mas por amor.

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Faah Bastos
Enviado por Faah Bastos em 16/11/2011
Código do texto: T3339190
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