Desejos Descalços
A tarde pode não ser tão bonita quanto a manhã. Ambas podem parecer feias para nós. Mas o fato é que elas se fundem num determinado ponto do dia. E ele nem precisa desejar que isso aconteça. Ainda que não seja num momento de insuperável emoção.
A tradição não se traduz no que diz a imperfeição. O discurso pode ser pueril mesmo quando não é vago ou preciso. Preciso apenas de ti no exato momento em que possamos andar descalças. Como descalços estamos no parque das ilusões perdidas. Vestidos sem alças. Ternos sem calças. Cabelos ao vento. Minha boca na tua. Na pele nua do pensamento. O tormento de uma escuridão passageira, que fosse perdendo o viço com o esmaecer do dia.
Muito falta em toda nossa vida sempre. A impressão que dá é que nunca teremos vivido tudo o que queríamos. Parece que nossos desejos não serão satisfeitos na sua totalidade. A maior prova disso é continuarmos vivendo. O contrário, o nosso desaparecimento, também poderá ser o atestado de que alguma coisa ficou faltando. Mas nem por isso deixaremos de viver. Às vezes até intensamente. O que nos mostra que podemos percorrer todas as nossas estradas, as que colocamos diante de nós ou as que se nos apresentam. Ainda que descalços.
(Texto apresentado como "Nota do Autor" em meu segundo livro, "Desejos Descalços", pela OFICINA Editores, 2006).