DIREITO À VOZ
A que tipo se ajustam seus traços? Traços que, desde que nascera, fora ensaiado como se preparasse para a estreia do grande espetáculo. Não se saberá, quando, já decorridos 80 anos, dele só se sabe o que falam. Porém, outras vozes, conterrâneas daquele que partiu, afetadas pela fraca memória, não são ouvidas, justamente, alegam, por causa da fraca memória. Mas, ao debitar o desinteresse à dificuldade em concatenar ideias, não se estará negando-se-lhes o direito da audição? Não estarão agindo feitos inquisidores que só aceitam o que querem saber e, ai, impingem àquela voz, ordens absurdas?
Quem saberá se o que reteram daquele a quem falam, não fora o único momento preciso que a memória resolveu cristalizar para a posteridade aquele momento? Ou, ainda, não terá a memória, imbuída de certa autonomia, naquele instante, plasmado o que sabia ser o ponto zero, o marco, a partida daquela existência? A memória ainda guarda muitos mistérios, e tentar desvendá-la, tem sido a odisseia em que a ciência arrisca constantes viagens.
Ora! O que mudará, dirão aqueles que ignoram as sutilezas da vida. Virarem as costas, ao ancião o que lhe parece ser seu tesouro, não os diferem do carrasco que solta o machado sobre aquele, ao qual se negou a defesa.
Ao ancião reputo o direito, o supremo direito, de nos lançar suas memórias. A verdade, a verdade tão reverenciada pelos eclesiásticos, condenou ao repouso eterno quem a colocou em xeque. Fogueiras arderam aos montes corpos que ousaram não aceitar a verdade divina. Ora! Direis, sob os auspícios do perdão, que a fogueira purificou aquelas almas para que, já purificadas e libertas das blasfêmias anunciadas, fossem repousar nos braços do salvador.
‘Quantos discursos ociosos, em comparação com aquele que sustive para não ser acusado, serão necessários, já nos ensina Marllamé.
Rasgada a carta de nascimento, posto que existir, em carne e osso, torna inútil qualquer certidão, o ancião já nos antecipa o que nos espera, quando se cala, sob o jugo da força juvenil, as vozes que nos querem falar. Apreendemo-los o conhecimento que querem transmitir. Facultemos-lhes o espaço que lhes são por direito. Afinal, quem poderá garantir se o que dizem não é a verdade? Que verdade? Respondam. Quem verdade? Pequenos ditadores. Lamento por vos. À Voz do ancião, bradarei enquanto existir. À sua voz serei plateia, e, enquanto viver, erguerei minha espada, para que sua voz não se cale, jamais.
Disso, faço da minha existência, que assim que nasci, como o preâmbulo de um romance, não escrito por nenhum candidato à Best seller, composta de idas e vindas, por si só, minha existência, não como um roteiro, pronto e acabado do que seria, desde que a aportei nessas paragens, toda ela me fez no que sou. Filosofei em devaneios, conjecturei sobre Deus e o Homem, e conclui que do primeiro tinha, por coerência à minha história, manter afastamento voluntário. Porém, respeitando opiniões contrárias, nesse universo e fiéis seguidores, tenho muitos amigos, pelos quais daria minha vida. Ao optar por depositar minha fé no Homem, sei que escolhi a causa certa, pois, sendo dele herdeiro direto, não haveria razões para ser de outro modo.
Então sendo devedor dos antepassados, vejo no ancião o acumulador dessas experiências. Querer negar-lhes a voz, já disse o que acho e o que farei. Enquanto eu tiver meu corpo e minha lucidez, reafirmo, erguerei minha espada em combate e defesa para que falem.