Breve Ensaio Sobre os Dados Imediatos da Consciência.*

Vejo o ponteiro girar obediente ao seu eixo em uma velocidade constante. Matematicamente seccionada, a circunferência que descreve e percorre é demarcada com números fixos e fiéis. A vida, vista ali, parece segura e monótona: uma passagem de coisas que caminham para seus destinos em uma marcha de passos lúcidos e disciplinados.

Lá fora o vento faz girar os moinhos e ouve-se apenas o ranger das peças e o moer dos sonhos e das paixões. Tudo o que jaz sobre a pele há de ser levado e se desfazer. Nem os pelos se manterão eriçados e até mesmo o desejo esfriará. O vento soprará forte os teus cabelos e haverá lagrimas em teus olhos (quem irá dizer que foi apenas um cisco?).

A consciência impregna símbolos, marcas, na aparente concretude e fixidez dos objetos. A indiferença dos moveis, carrancudos; o acalento quente e materno da cama; os tomos de paginas na estante, companhias amigas e soliloquias... Qualquer coisa que toque o pensamento e sustente as paredes da morada interna – que seja real, mesmo fingida, que dure e se faça sentir-se. Ela, eclipsando nos mobiles sentimentos abstratos para conceder estrutura e estatuto de real àquilo que se pretende reconhecer-se no espelho – sou eu, aquele …

Na parede do quarto, o azul parece querer forjar o céu que agora é de um cinza confuso e trevoso, anunciando chuva, tempestade e devastação.

Deitado, dobro as pernas e curvo a coluna até encostar os joelhos junto ao peito. Encolho-me todo, como se tentasse conter-me em um único abraço. Gostaria mesmo que fosse possível recompor toda a minha presença em uma única sentença. Antes, num poema. À maneira dos que são da arte de Mario Quintana: em poucas palavras explicam, e calam, toda a vastidão do mundo. Necessárias não são as rimas. Nem peço tanto. Queria apenas um curto sibilar melódico. Seria eu como o breve canto de um pássaro que se arisca entre o vociferar dos carros e das propagandas.

Mas sou rio a desaguar dentro de mim mesmo. Sim. Deságuo nas mares de minhas paixões. Daqui, donde vejo-me em fragalhos, devastado pela insolente e incorruptível ventania do mundo, pergunto trémulo e gaguejando: como gerenciar um única vida, sendo ela cheia de tantas e tão diversas alegrias? Eu que me encontro só no oceano. Estou e sou só oceano. Tal qual logos que estava no principio, que é agora e sempre.

Ass.: MaRio Rafael

*Em referência ao titulo do livro de Henri Bergson, “Ensaio Sobre os Dados Imediatos da Consciência”.