A rede

- Tinho, a vida é toda bunita, toda certa, né verdade?

- Mas quandu, Bena, é uma bagunça, uma esculhambação!

- É sim machu! Repara que a genti nasce, cresci, faz filho, e morri numa fileira de coisa, como serventia à Deus.

- Num sei, cumpadri. Eu ainda acho uma bagunça, uma doidice.

- Mas cumu, me explica, como podi sê a vida uma desarrumação?

- Vê só: é qui nem nóis aqui, viajando nesse barco pra Afuá, numa maresia qui leva a genti pra lá e pra cá, de um lado pra outro. Na mão do comandante? Quem leva a genti é o rio na verdadi.

- Mas Tinho, se é assim, tu concorda comigo. Nóis levamos o barco na mão, apesar dos altos e baixos, vencemu a maresia, aplumando o barco.

- Porra, Bena, bora levantá das redi que essi banzeiro brabo num deixa a gente conversá direito.

- Tem razão.

- Bena, tira o lençol da tua redi, senão cai na água cum vento.

- Num esquenta, qui nessa ventania num vira. Mas o qui tu tava falandu?

- Eu tava dizendu qui a genti não manda em nada, é obra da sorte. Quandu tu conheci uma mulhé bonita do nada, essas coisa.

- Acho qui é normal, tanta mulhé qui tem, e vai logo o cara achá uma, mesmo o peão feioso. Num é coisa de sorte.

- É, mas a donzela é outra cabeça qui ele no começo acha boa, bunita, se arrepia, mas o tempu bagunça aquela dona pruma bicha cumplicada, ciumenta, enjoada, essas coisa.

- Issu num diz nada, Tinho, qui a vida é cumplicada. Nóis é qui fazemu ela sê.

- Ah, me diz pruquê?

- Machu, repara: tu se enrabicha pela pequena, faz família, mora cum ela, casa cunforme o qui manda os padre, como o padre Prudêncio de Macapá, tá tudo certu, né?

- É.

- Poisé. Aí tu vê outru rabo-de-saia e mija fora do pinico, baguncando o bem-bom, cercando boca. Ainda se a outra tivé um companheiro, vixe! Tu te ferra certinho!

- Bom...

- Tu não qué qui tua mulhé reine, intão? É claru qui ela vai ficá cum raiva. É claru.

- É.

- Poisé. Tudo tá bem desenhadu si tu leva a vida no bom caminho, tranqüilo, sossegado. Tu num dá o exemplu, teus filho vão dá trabalho.

- Issu me faz lembrá a filha du Seu Cutaca, lá do rio Teixeira.

- E num é? A filha, treze anus, buchuda, dum marginalzinho.

- Também, o pai é cachaceiro, a mãe daquelas qui num podi vê uma madeira em pé, qué logo derrubá.

- O qui se podia esperá? A vida é tudo certa, nóis é qui reviramu tudo, aqui se faz, aqui se paga!

- Mas vê só: Seu Cutaca ia bem, num era pinguço. Mas pegá a isposa no xique-xique cum Oscarito, vizinhu, quase irmão... qui tu queria? Daí o homi mudou. O pega bagunçou cum a cabeça do infeliz. Como querê a ordem das coisas, se no fundo o homi tava destruído. Num dava! Era normal qui escangalhasse também o juízo da filha.

- Bom.

- Qué vê outra di comu é na tudo na desordem.

- O quê?

- O pingo desse teto em cima da nossa redi. Vê só, conta comigo: pingo, um, dois, pingo, um, dois, trêis, pingo, um, dois, trêis, quatru, pingo, um, pingo, um, dois, trêis, pingo, um, dois, pingo...

- Que qui tem?

- Num vê, homi! A bagunça dessi pinga-pinga. No tempu, não fica igual, percebe? Ó, pinga, num pinga...

- É tu quase tem razão. Mas repara, pinga, pinga, pinga e vira uma poça embaixo no assualho. A poça, Tinho, a poça! O importante no final é a poça!!

- É, né? Hum...

- Humm...

- Ispia, cumpadri, tua redi espanou e teu lençol caiu na água!!!

- Ah dialho!!!

- Num falei pra tu tirá o lençol??!

- Mas o ventu num tava pra tantu!

- Poisé, Bena, tava organizado, mas de repenti um ventinho a mais, vadio, na bagunça da vida, veio e afuuuuaaaaaaaaaaa...

- É, Tinho, a vida é uma doidice mermu...