A vida, um banquete
A vida se deixa sorver. Viver é sorver a vida diariamente...
Alimento raro, caro e perecível, a vida. A porção do agora, serve-se no prato do momento e, degusta-se com os talheres do instante.
O acompanhamento, a sobremesa, os licores, virão por certo, mas...
O prato principal da vida é o seu agora!
Acumular vida na dispensa para degustá-la depois, ledo engano!
'O pão nosso de cada dia' é para hoje. Amanhã será pão dormido, envelhecido, quiçá alimento rançoso. Já tentei fazer reservas, não funcionou. A vida não se repete no cardápio! O sabor do prato de hoje é para hoje! Amanhã haverá outro sabor! Armazenar vida é desperdiçá-la! Desejar consumi-la por antecipação, um equívoco! É comer fruto verde! Sabor indigesto, intoxicação, má digestão, por certo acompanharão...
Já devorei meus dias, com voracidade! De maneira abrupta, sem me permitir degustar seu sabor, desesperadamente devorei.
Também já negligenciei a vida, tola e ingenuamente, pensando economizá-la, refreei meu apetite. A vida ali, oferecendo-se na bandeja do dia, deixando-se sorver e eu, deliberadamente, servindo-me de parca alimentação, migalhas, sobras, ranços...
Nesse viver sem sentido, a vida tornou-se insípida e meus dias destemperados, insossos, indigestos dissabores. Sorvi inóspitos dias, em fartas taças de impalatáveis sabores...
Virei a mesa! Cansei de má nutrição!
Hoje, sorvendo novo sabor a cada manhã, eu me lambuzo com a vida!
Eu 'como' a vida, intensamente, desde as primeiras horas do dia!
Prazerosamente a degusto!
Pela manhã, a vida tem gosto de coisa nova, de alimento saudável, fresquinho, recém colhido na horta, recém saído do forno...
Aguça-me o paladar para o dia inteiro, se a sorvo calma e deliciosamente. Cada fatia, cada pedacinho de vida, sabor ímpar, tenho me permitido sentir um a um, lentamente, degustando seu genuíno gosto.
O sabor da vida ao amanhecer é inigualável, quase indescritível, tentarei...
No nascer do dia a vida tem o gosto e a maciez de bruma amanhecida, de relva molhada, de fruto serenado, de folhas orvalhadas com respingos de lua, prateando a manhã. E, para compor o suave frescor de minhas manhãs, filetes amarelecidos de Sol, escorrem pelos meus lábios, aquecendo o alvorecer do meu dia...
E a delícia da vida vai se estendendo pelo dia inteiro! Ao meio dia, um prato cheio! A vida ao meio dia tem sabor de verão ou de cozinha quente de inverno e, degustá-la nesse interim, compartilhando-a com outras gentes, a vida agrega sabor de partilha, de piquenique, de festa, de banquete... Se por ventura sabor agri, azedo ou amargo, misture-se à salada da vida, na convivência diária, aprende-se a tolerar diferentes gostos, diferentes sabores... Também não necessariamente, ingere-se tudo que é oferecido. Alimentar-se de vida, exige necessária digestão, pausa para reflexão, repouso ideal. Afinal, o dia não acabou ainda e a diversidade do cardápio é infinda!
Ao cair da noite, vem novamente a vida dispor-se ao banquete, ao convite e, conforme do conviva, o apetite, serve a vida, aromas picantes, condimentos, especiarias de inusitados sabores...
Em sua pluralidade, também à noite, o banquete da vida oferece várias opções e, para evitar excessos, gula, quiçá orgia gastronômica, restrinjo-me a desfrutar a vida, em generosas porções de requintados sabores: Lua Glaciada em Mel, Estrelas ao Sabor de Luar, Caldas de Noites Serenadas, Desejos ao Molho de Ilusões, Sonhos Banhados em Esperança...
Enfim, a vida deixa-se compor no cardápio, à vontade do dono.
Incrivelmente, sinto excitarem-se minhas papilas gustativas ao prenúncio dos sabores do amanhã. E, se me é possível, sorver a cada dia, o sabor de minha livre escolha, decido:
Banquetear-me ou subnutrir-me?
Lembro-me disso diariamente ao escolher meu menu diário, então, desejo-me bom apetite!
P.S.: Bom apetite pra você também!