Aroma de inverno trazendo visões

Senti de repente, o cheiro do inverno soprando nas minhas narinas uma lembrança...

Ou talvez apenas um sonho... Um sonho que tive na infância.

Vi uma velha choupana, de madeiras grossas e de pequenas frestas

Uma choupana no meio de um roçado

O roçado parecia um deserto frio e seco e lá estava ela...

Como se no meio do nada.

E vi que o vento soprava forte, mas havia vida ali dentro dela...

Havia uma história...

Não sei se era sonho, ou talvez uma lembrança esquecida no velho sóton da memória.

Só sei que eu sabia que ali havia vida.

Vi um casal de idosos, fracos e de olhos tristes, e de um fogão a lenha, o fogo a crepitar...

Só o zunido forte do vento e o fogo aceso... Nenhum outro som...

Lembro-me do roçado... Seco, sem vida, ou talvez ainda a germinar...

E do casal com uma história, pronta pra se revelar!

Não sei se caminhei ou se em espírito eu vaguei pelo ar

Só sei que entrei, sem pedir licença para entrar.

Não fui notada, entrei como brisa ou como sopro do vento a uivar.

E senti. Com dor no peito, a dor do casal que nada falava sequer se movia.

Nem os olhos corriam de lá para cá.

Parei e observei que no canto dos lábios de cada um, algo nascia ou morria...

Sei lá!

Nas paredes os talheres, panelas e canecas, todos em par.

Rente ao fogão a mancha preta da fumaça e o cheiro que escapava pela chaminé...

Chão de terra batida, casa de um cômodo só...

Blusas de lã um tanto furadas, calças curtas de cor cinza e chinelos velhos no pé...

E uma história que eu conhecia, mas não conseguia me lembrar.

Não sei se era sonho ou se era lembrança de algum lugar, mas tinha uma história que eu queria lembrar.

Senti vontade de chorar, não sei se pelo desespero ou pela história triste.

E me lembrei que já havia chorado antes por causa daquele lugar.

Ou será que a tristeza nasceu agora desse momento que o vento me soprou.

Será que por causa da lembrança ou sonho

Ou por algo mais que o destino me roubou?

Só sei que nessa velha choupana havia uma história muito parecida com a minha.

Pois ali não havia mais esperanças ou saídas

Contar a história agora seria em vão

Vendo agora aquelas duas vidas

Lembrei-me de nós juntos, mas em solidão...