As janelas e Portas da Alma
O que é Novo e Velho que mereça nossa devoção, dedicação, ou repulsa e ódio? As hostilidades nos olhares, as violências implícitas nos diálogos, tudo parece ser familiar, vizinho e ligado fraternalmente com todas as gotas que o Existir gotejou até aqui? Os pensamentos e os problemas parecem que ficaram para trás dos picos enervados pelo nosso comodismo capitalista e apocalíptico, entre pessoas sofridas e coisas hediondas, e nós pensamos e sofremos tanto, mas o que muda? Uma autoconsciência mais apurada, sensível, lúcida, sentimental a si e ao próximo?
O Orvalho de amanhã me convida agora para visitar as florestas incandescentes de meus sonhos passados e futuros que ainda sorriem para o meu coração. De repente, vejo um garoto que aparenta ter uns doze anos levando uma cesta entre os braços para uma planície onde há vários amontoados de pedras juntas e separadas. O menino me olha e, com lágrimas nos olhos e os pés descalços sangrando, grita para mim: _ Estou te levando aqui dentro meu lindo irmão, aqui neste cesto para a sagrada floresta do esquecimento.
Lágrimas querem brotar de meu coração, das janelas e das milhares de portas de minha alma, contudo ouço apenas os ruídos das marteladas de meus pensamentos tentando quebrar a montanha glacial que sou, e que esconde meus tesouros paralíticos. Neste momento, queria ser todas as capelas onde milhares de pessoas, fervorosas, céticas, atormentadas, angustiadas, se dirigem para lá a fim de derramar suas queixas, suas dores, seus segredos, suas loucuras, e por um momento eternizado em suas mentes, batizá-las com o perfume solitário de uma chama em cada alma.
As ondas depressivas em minha vida, que tanto temo e tanto aprendi, sempre retornam. Nessas horas, ser obrigado a conversar com alguém se torna um suplício e inevitavelmente ocasiona mal-entendidos. Contra tudo sentimos raiva, sofrimentos, e aflições: contra os homens, contra o mundo, a sociedade, os amigos, contra Deus, contra a roupa que se veste e o espelho que nos mostra apenas metáforas inúteis. Mas, todo esse ódio, essas impaciências, essas acusações e negações que construímos com tanta habilidade são apenas reflexos de mim mesmo. Então o vento senta-se a meu lado, e em suas mãos há a história de cada ser vivo, pisco os olhos, e uma nova cortina me apresenta o quão belo é o mundo com seus contrastes, e que a vida não é boa e nem é má.
Há dias em que tenho a certeza de que ninguém consegue perceber com tanta exatidão, fidelidade, e precisão as mudanças no ar, nas nuvens, nas cores que cada alma se pinta, nas mães que levam seus filhos à escola, nos médicos operando mais um paciente, no homem que grita que “Jesus está voltando”, no mendigo com os dentes podres e a alma sempre faminta, na fé e nas drogas que liberam endorfinas e serotoninas, nas palavras que não citei explicitamente aqui, mas que bradam mais alto do que a maioria que pus neste papel.
Outras vezes, como agora, duvido que alguém jamais tenha reparado, ouvido e sentido alguma coisa, e que tudo que se pensa, percebe-se, acredita-se e vive-se é apenas mais um reflexo do íntimo de nosso ser transparentemente turvo, onde lavamos, enxugamos e vestimos nossos rostos todos os dias.
Gilliard Alves Rodrigues