ORQUÍDEA NEGRA
ORQUÍDEA NEGRA.
Rara é a tua beleza.
De súbito, tisnada no fogo brando, esse artífice do belo, moldando-te para proposituras de lânguidos sonhos.
A orquídea também é bela, mas com a inconveniência de ser linda apenas uma vez por ano.
És dúplice dessa Catléia rara, entretanto, tu tens a vantagem inédita de seres linda todos os dias, não importando as estações.
Das Catléias evolam-se perfumes embriagantes oriundos de uma policromia variada, rara e clássica.
De ti, ó turíbulo lânguido, exalam todos os perfumes embriagantes de inefável aroma, nunca olfateados no meu éden de anseios.
E tu combates com a performance própria da tua beleza, hostilizando severamente as orquídeas indefesas.
Se em minhas mãos houvesse a capacidade divina, eu te transformaria em orquídea, só minha, de cor azul em suas pétalas de bordas alvas, um convite para beijos insistentes em sua intimidade vegetal.
Serias assim cativa aos meus olhares, que nada mais vêem, quando eles se envolvem com a tua formosura tropical, a um passo da possessão de tuas pétalas.
Que se estabeleça em mim a possibilidade de ser um tronco, tosco pedaço de madeira velha, essa substância primitiva para que tu possas te fixar em mim e, numa osmose sub-reptícia, tu te alimentarias da minha velha seiva dormida.
Como um corcel vegetal, galoparemos as pradarias dos sonhos e de todos os encantos da vida, levando-te em meu dorso de carcomido lenho os teus olhos negros de orquídea silvestre.
E, no silêncio outonal, mensurarei as tuas pétalas e, de sépalas em sépalas, extasiar-me-ei com o teu divino pólen, enfurecendo o teu gineceu escondido e molhadinho em copas, para receber um androceu orvalhado.
Eráclito Alírio