O ABISMO VORAZ
O ABISMO VORAZ.
Era Azul o teu poema.
A musica gospel pura ou clássica, me transporta rapidamente para um mundo de recordações, não muito distantes, às vezes, de maneira fantasiosa e sempre saudosa e, nos escaninhos secretos desse comportamento emocional, só encontro uma sentina escura de dores e saudades pretéritas.
Enleva-me a música meditativa, principalmente essas que sugerem apaziguamento da alma, mas, ao mesmo tempo, arremessa-me vertiginosamente num redemoinho de vida em direção a um passado, um abismo voraz, fustigando-me com o açoite das reminiscências que pensava já havê-lo esquecido.
Em minha alma permanecem vestígios, verdadeiros estigmas indeléveis que, como seqüelas ainda reclamam de forma insistente em lembranças vivas um sentimento que foi desmedido. Muitas das vezes plangente que dado a sua remota ocorrência, pensava não mais existir como resíduo emocional.
Esse sentimento é tão atual e indizível como aquele vivido em sua época própria, sabidamente, indescritível.
Ele é acompanhado de um ardor, de certo fogo que não consome, de uma apatia existencial, um vazio e de uma angústia sem fim, exasperando a minha alma por estar só.
Gostaria que ele não existisse, entretanto, fogem as minhas forças, tal é o assombro do seu imenso poder, quase um incômodo. Assim o sinto porque o meu espírito encontra-se despovoado e choroso, sempre dilacerado por razões várias e havidas, e aí, ele se prostra inteiramente a essa devoção, ou melhor, um sentimento que não foi correspondido.
É inexplicável a sua platônica existência, é inexeqüível a sua manifestação prática, por isso, devo considerá-lo pertinente ao passado, fazendo naufragar todos os resquícios desse sentimento estúpido e enganoso.
A veracidade e a existencialidade pura desse encantamento aflora com muita facilidade. Seria mesmo amor ou puro e simples sentimento de rejeição?
No entanto, ele é frágil e forte e, ao mesmo tempo, também é intransitivo.
Frágil porque se torna um alvo fácil para o quebrantismo emocional (depressão); forte porque ele resiste ao seu objeto de encanto não projetando um fim determinante, apenas anseios. É intransitivo porque se estabeleceu de forma pétrea.
Sei que amei muito, disso não há dúvidas, talvez tenha sido a forma de amar, num entreguismo total à moda de K. Gibran, talvez a causa primordial para o fracasso amoroso. Dizem até que, quem ama verdadeiramente e sem a cumplicidade do outro, é presa fácil da perfídia e da adulação astuciosa.
A paixão é cega e cega.
Ah, meu Deus! Fiz a minha parte e foi muito bom, não importa o pouco que durou, e agora meu Deus, eu te pergunto: O que ela fez em nome desse amor?
Iludiu-me ou enganou a si mesma, vivendo agora num ergástulo de ilusões?
Sinto que ainda a amo, e esse amor é maior do que antes, mas qual é o privilégio, qual é o mérito e qual é a reciprocidade? Se ele de tão próximo e leal que foi, agora se faz longínquo e orgulhosamente impossível.
Meu amor foi hiante e suave, dedicado e uno, mesmo assim, naufragou sobrando-me apenas destroços que não mais reconheço.
Será que, um dia, ela fará uma regressão inquisitiva para saber o quanto foi amada, ou permanecerá angustiada e deprimida como a tenho visto ultimamente, transpirando mal humor e amargura como se fosse uma flor a emurchecer, quase morta, movida a orgulho e pretensiosamente digna.
Agradeço-te, ó meu Deus!
Mesmo sabendo que esse grande amor foi só meu, literalmente unilateral, pois ela não comungou comigo os verdadeiros anseios, mas, em contrapartida e como recompensa, deu-me a jóia mais cobiçada do mundo. Minha filha.
Eráclito Alírio