UM MONTE DE OSSOS CERCADO DE PELE POR TODOS OS LADOS
17.01.06.
A maioria das pessoas que encontrei por aí já conseguiram se
perder. Comigo foi um pouco diferente, somente agora, quase meia
idade é que consegui atingir tal grau de evolução e maturidade. Enfim
perdido! Descobri que perdido, não me cabe a tarefa de me conhecer
e assim pensar no sentido da vida, aquela de ficar perguntando donde
vim, para onde vou, qual minha missão e outras chatices mais...
Agora que perdido, descobri prazer em simplesmente ter conforto,
ver filmes, ouvir música, trabalhar (além da poesia também trabalho),
dormir, acordar, comer e beber. Agora que finalmente perdido, me
sinto mais calmo em meus extrapolantes nervosismos e irritabilidades,
mais sereno em meus ímpetos irreponsáveis e irretratáveis atos
voluntários impensados. Agora que totalmente perdido, mais bem
resolvido nas questões familiares; enfim distante daqueles angustiosos
traumas e cobranças de um garoto que não havia percebido ainda,
ter eclodido há séculos daquela dura casca; enfim resolvido quanto
aos detalhes que permeiam a dor pelo desprezo sofrido e pelo já
distante e esquecido desamparo proposital ou não, que o tenha sido,
pouco importa agora que perdido. Consigo pôr meus pensamentos
e pretensões em pratos rasos e apetitosos, onde quase tudo soa mais
possível que nunca, onde até minhas ilusões são mais compreensíveis
e por "ratos" momentos parece-me até que seria capaz de num giro
completo dizer pela primeira vez: “tudo bem, não deu não deu”.
Agora que perdido, nem ouso mais perguntar: cadê eu?! Mudei,
melhorei, aplainei, aterrizei, já sei, não sei e pronto.
A maioria das pessoas que se perderam que conheço por aí são
assim, modestas e convencidas de que não vale a pena forçar portas,
murrar facas e pular muros. A maioria delas vivem apenas por viver,
e isso é só, deixaram os chatos sonhos de lado, deram um tempo nas
abstrações, ficaram metódicas e práticas, objetivas e aceitativas,
permissivas e apáticas. Bastam-se com moradia, comida e saúde; não
vislumbram, essas pessoas, que como eu agora, perdido, nada além
daquilo que lhes venha ao encontro, se satisfazem com a rotina, o
monótono e com a superficialidade.
Graças a Deus (a maioria dos perdidos que conheço falam graças
a Deus toda hora), hoje sou um dos tais também. Fidedignamente
perdido, sem rumo, sem sonho, sem ambição e apático ao pensamento
livre.
Graças a Deus consegui a tempo também me perder nesse devaneio
de bilhões que trafegam esse mundo faminto, analfabeto, trôpego e
tatibitati.
Graças a Deus sou um dos tais que imergem da obscura condição
de ser um monte de ossos cercado de pele por todos os lados e vivo
melhor assim: sendo parte da maioria.
Graças a Deus esqueci de tudo que sonhava e descobri que nada é
melhor que o anonimato e que uma existência nula e despretensiosa.
Perca-se por aí também
como já dizia Raul Seixas: “Se eu não pensasse, eu não sofria tanto”.