ASAS PARTIDAS

A S A S P A R T I D A S.

Cléa: D.W.

Minha muito querida amiga D.W. transferiste para o papel a incógnita de ti, organizada de forma inteligente atrás dos traços precisos no teu desenho.

Uma pintura em grafite, a negra revelação da dúvida.

Um confiteor da alma, numa projeção obscura dos subterrâneos do teu inconsciente.

Observando detalhadamente e com todos os cuidados o teu quadro com uma mente aberta, sem um juízo formado à priori:

Vê-se nele, uma apoteose da tua vida, o mundo não compreendido da tua alma, revelado de forma abstrata e inconsciente pelas tuas mãos lindas e boas.

Foi o que identifiquei nos traços ousados, uma insegurança constante.

Nessa pintura, uma verdadeira fotografia virtual do teu Id profundo, tu dás realce e destaque concebendo em primeiro plano, uma espada que está cravada no teu interior como sinônimo de poder e escravidão.

Talvez seja a projeção do arquétipo a “sombra”, que resolveu sair da inconsciência para a consciência.

Quem sabe, não seria melhor tu consultares o Dr. Carl Gustav Jung?

Ele que me perdoe lá da sua tumba, mas eu vou continua essa psicanálise.

É a espada fria que subjuga, mata, fere, é o aço frio sem sentimentos.

E, quem subjuga, impõe, escraviza, deturpa, amarra, tem conseqüentemente em si o poder.

Tu és um pássaro ferido que voas no infinito oceano da dúvida.

O pássaro é a tua alma, representado subjetivamente nessa pintura com as asas partidas pelos desenganos, pelas amarguras e pela descrença em ti mesma e na vida.

É o fantasma da infelicidade, todavia, observa-se que esse mesmo pássaro voa, ou melhor, se dispõe a voar em linha reta.

Em direção à segurança, à perfeição, à luz, à vida, em suma, em direção do próprio sol.

É o que está exposto na pintura egocêntrica.

Quem voa, de certa forma, é inseguro, mas também ao mesmo tempo tem ânsia de domínio e de poder e, por fim, cria objetivos firmes para vencer-se.

Abandona a espada do teu inconsciente, ignorando-a.

Ela fere também a tua alma, então, alça vôo ao infinito, em busca de ti mesma.

Tenho necessidade de ver essa pintura como indivíduo real, não como uma manifestação subjetiva.

Eu tenho a impressão de que nela, encontrarei detalhes de suma importância, para culminar esta análise com um índice baixo de desacerto.

Talvez, eu tenha que te submeter a um exame psíco-clínico mais técnico.

Existe uma distância, não uma distância que se possa aferir, mas um afastamento, uma indecisão entre o pássaro a espada e o sol.

Há, contudo, uma esperança, uma energia que envolve o pássaro, direcionando-o para mais perto do sol.

É uma vontade intuitiva, uma atração não compreensível que, por certo, fará desse vôo um caminho sem derivação para o rumo novo, o sol.

Meta metafísica, entretanto, nota-se neste adejar um esforço sobre-humano, uma vontade inabalável de retidão, muito embora, tenha as suas asas partidas abertas à dor.

O reconhecimento humilde é a performance própria de quem têm as asas feridas.

Esse pássaro doente, mas sobremaneira valente, tem na sua desdita e dor, o poder somente dele mesmo.

Ferido no que lhe é mais caro, as asas, ainda detêm o encantamento, a meiguice e o reconhecimento da fraqueza.

Isto é mais do que nobre.

Não sou o sol imaginado na tua pintura, não estou tão alto, não brilho com tanto fulgor.

Entretanto, é bom que esse pássaro saiba que tenho muito amor, equilíbrio e muita segurança para dar-lhe sustentação nesse seu vôo ousado, para que possa conquistar o seu próprio sol.

O poder de receber esse pássaro ferido, que voa para um destino quase incerto, poderia ser meu, se não fora os fortes ventos que hão de soprar contrários à sua direção, dificultando o seu pouso futuro, se resistir até lá.

Fui ao Executive-Bar, não estavas lá, conforme havíamos combinado para tomar um vinho.

Um convite teu, esperei e senti saudades tuas, tomei dois Natus-Nobilis e fui embora.

Sonhar com um pássaro ferido, com uma espada fria e cortante.

E, com o infinito vácuo da tua alma, acalentado com os raios do teu sol, adormeci.

Sonhei e vi um pássaro ferido de asas partidas, pousando suavemente no seu próprio sol.

Eráclito Alírio

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 22/11/2006
Código do texto: T298060