O Chimarrão e a Vida
Andei cismando outro dia de conceituar a vida. Insistente pergunta acompanhou-me dias a fio: “O que é vida?”
Procurei explicação na fala de meus filhos e do marido. Embora não explicassem, disseram-me o que fazer com ela: “... vida é algo prá ser bem aproveitado”.
Insatisfeita continuei a procura da resposta. No domingo, pensei, quem sabe hoje no sermão do padre. Que nada!
-Vida é um mistério! Afirmou o senhor vigário. Ao invés de aquietar-me, contribuiu para aumentar minha inquietação!
Preciso encontrar algo mais claro, convincente que me aquiete a alma. Com minha terapeuta "psicologizei"., filosofei, devaneei. Penso que a vida é um rio.
Eu sou o leito. A vida, a água que neste leito corre.
As vezes, o dono das terras, por onde corre o rio pode desejar estreitar as comportas e, eu, o leito do rio, preciso aprender a me acostumar, aceitar, satisfazer-me mesmo quando apenas um pequeno filete de água corre pelo rio.
Afinal, também há no rio, momentos em que as comportas se abrem e a água da vida jorra em abundância. Faz verdejar suas margens. E, o sol vem banhar-se em suas águas cristalinas.
Então, vida é isso? Movimento incerto, ou certo. Talvez seja! É preciso estar atenta, para saber mergulhar conforme a profundidade do momento?!
Gostei da idéia. Não totalmente! Algumas dúvidas continuaram povoando meu pensamento, assim como a pergunta que não se cansou de me importunar: o que é vida? Em meu íntimo, fervilhavam idéias e junto a estas, a idéia de prazer, que rima com sorver...
Sorver, que embora não rime, tem tudo a ver com chimarrão. Especialmente, prá gente do sul, em meados de setembro.
Assim, numa bela manhã quando o sabiá assoviou na minha janela, a resposta veio e, veio pronta a explicação: O que é vida?
A vida é como o chimarrão!
Vida é para ser sorvida gole a gole, sentir todo sabor que cada gole oferece.
Se for depressa, perde-se o prazer do momento, corre-se o risco de queimar a garganta.
Se for muito devagar, esfria, perde o sabor. Morno, fica insosso.
O segredo talvez esteja em saber curtir o seu próprio ritmo. Dar o devido tempo que cada gole merece.
O chimarrão ao ser saboreado com prazer, junto a cada gole permite curtir, sentir todas as emoções que fazem parte de uma roda de chimarrão.
O calor da cuia aquecendo as mãos.
O sabor do amargo que faz refletir sobre a lida e, vai destravando a língua pr'uma prosa sincera, as vezes, verdadeira abertura de coração.
O chimarrão compromete.
Uma vivência concreta de solidariedade, de partilha.
A troca da cuia entre as mãos, bem mais que um simples gesto, um selo invisível de cumplicidade.
Vidas se entrelaçam. Idéias se questionam. Sonhos se enroscam. I Assim como se fundem ideais e sentimentos se intricam, também as dores são partilhadas, enquanto a cuia aquece, passando de mão em mão.
Teria realmente, algo a ver com o que é a vida, esta cultura popular? Este costume da gente simples da campanha, que em agradável companhia, faz verdadeira filosofia, ao apreciar a vida numa roda de chimarrão?!