Um Brinde à Verdade
Escancarei a janela.
Cheiro de verdade subiu ao meu nariz.
Tudo o que queria estava diante dos meus olhos
e mesmo assim, curiosamente,
eu não me sentia feliz.
Há tempos eu não conseguia dormir
e passava noites inteiras a virar-me na cama.
Desfiava situações passadas, ilusões acreditadas,
durante horas intermináveis.
Mas só entende quem ama.
Essa noite levantei-me exausta e sai de casa.
Madrugada alta, ruas desertas numa chuva intensa.
Meus pensamentos voavam à minha frente,
luzes de neon brilhavam no asfalto húmido.
fazendo a solidão ser imensa...
Tensa, corpo rígido, boneca de porcelana.
Manipulada internamente por tantos anos,
minhas fibras nervosas, sensíveis, não sabiam o que fazer.
Nem mesmo o desejo de saber a verdade
acreditava que o que sempre pedi
fosse mesmo acontecer.
Eu amo aquele olhar, mas prefiro não ver.
Eu amo aquele sorriso e não consigo imitá-lo.
Eu repreendo qualquer sentimento saliente.
Eu fecho a janela para sempre
sabendo que a paisagem que ela emoldurava
enganava-me cruelmente.
Chorei pelo que perdia...
um amor clandestino que só a mim pertenceu, esqueço.
Estremeci sob a verdade açoite, doeu-me visceralmente,
cada letra diante dos olhos...
Mas, aliviada, por elas agradeço.
Gracias, gracias, gracias...