Senhora
Acuada na solidão das recusas, espiava as sombras hesitantes
de poemas inacabados no interior de alguma gaveta, afastando-se
lentamente da cidade e seus ruídos.
Sozinha, recitava as tais poesias diante do espelho:
(Amor, ah, meu amor...
Quem dera senti-lo,
uma única vez ao menos
sem provar da tua dor...)
Laboriosamente preparava todo o ritual sonhado num leito de plumas, sob macios lençóis dourados.
Prestando atenção em pequenos detalhes alarmantes, como os cabelos molhados escorrendo água pelo chão...
Aprendia em sua pele o caminho da terra desconhecida, como um explorador que pisa pela primeira vez o deserto perdido, em séculos de solidão.
Deveria ter esperado que ele respondesse às perguntas que fizera,
deveria ter exigido a quebra do silêncio dramático, deveria ter mentido um pouco, brincado, trapaceado, entrado no jogo.
Deveria ter ido, ter voltado...poderia.
Justamente, podia.
Agora era tarde.
Há muito havia perdido a hora.
Deslizou para fora da cama, com olhos cheios de estrelas,
completamente "senhora".