Para-Pente

Levemente voa ao vento um para-pente. Um casal paira, desliza no ar e arrebata olhares de todos que passam pela praia...pela areia. Os olhares são de admiração, os sorrisos têm conotação de parabéns! Um casal mais idoso pára e olha com ares de alívio, como se pelo menos a juventude de agora os levasse à forra.
Fica claro no semblante de todos, que imaginam a delícia de estar ali, pairando sobre as areias, respirando o ar do mar que embeleza aquelas almas que se sentem pássaros por uns instantes. Ícaros às avessas que não terão as asas derretidas.
Imaginam que gostariam de estar lá, enxergando o alto dos prédios de perto e até emparelhando os corpos com pássaros que sempre são vistos de baixo... de longe. Tendo uma vista maior para um mundo tornado pequeno e um horizonte muito mais amplo, nunca visto desse ângulo.
Mas em tudo há o momento anexo. Aquele momento que a grande maioria não queria passar. O momento em que essa leveza fez o preço e aquele casal pagou para viver.
Se pairar sobre as praias, o mar, os humanos... é uma delícia e uma satisfação para alma, provavelmente, na mesma proporção estará a angústia, a aflição, o temor do momento do pulo.
Afinal, antes da festa, ali estão diante dos pássaros humanos as duas possibilidades... os dois extremos: de um lado, a visão das delícias que o vôo presenteia e que serão provavelmente, indizíveis. Do outro, a sensação da possibilidade do pequeno erro, do vento avesso, e da fatalidade que pode girar entre a dor e até a morte.
Num rápido instante, tudo nas mãos: a alegria, a satisfação e o erro (tão humano) que pode levar ao contrário de tudo que se sonhava.
Ocorre que a grande maioria desses olhares perplexos prefere a segurança do solo. O coração é atingido ali por um sentimento dividido entre uma certa inveja e a perplexidade que diz: -eles ousam!!

...E se atiram voantes
Para além do morro,
Desafiam as alturas.
Humanidade de asas postiças
E coração de verdades ousadas,
Passareiam como donos do espaço.
Olhares virados pro céu
Assistem de pés fincados
Ao colorido espetáculo.
Desaforado delírio
Que encanta até ao cansaço.
Dão-se as mãos num gesto de segurança
Meneiam cabeças... loucura demais!
E a negativa “madura”, insegura
Supõe preservar uma paz.

Ainda que o solo pisado seja desconfortável e incerto, ainda que a marcha seja dolorosa e prenda os passos de arrasto num caminhar vagaroso e doentio. Melhor não correr o risco da morte, ainda que a morte ronde cada passo dessa descaminhada tediosa e desconcertante.
É o medo do pulo, o medo de se atirar para a vida e viver o sonhado. Ele é muito maior do que a certeza que parecemos ter de sobreviver ao frustrante...ao insípido, mas afinal, conhecido.
Assim, julgamos melhor olhar para o céu e admirar, com toda a capacidade de alçar que a alma aprisionada carrega, o ousado gesto que leva o casal a sentir aquele prazer.
Melhor a segurança em baixo dos pés...mesmo que saibamos que a proporção dos que erram o pulo e absolutamente mínima...quase nula, e dos que encontram a morte é muito menor ainda.
O medo tão grande faz com que não consideremos a estatística e nem as boas novas que ouvimos de quem já voou. Não nos atiramos para o segundo de angústia mesmo cientes das alegrias que os novos horizontes nos trarão.
Ao frio na barriga e o arrojo ao incerto, preferimos olhar para o céu numa tarde linda de verão ou outono e ver as cores diversas das asas deltas e dos para-pentes tantos que passam atrevidamente e sorridentemente desafiando a nossa covardia. Preferimos a segurança do sonho que afinal, sempre nos preservará a esperança de um dia... quem sabe...talvez.