Memórias
A falta de memória é mesmo uma vida dupla.
Pode-se ler duas vezes o mesmo romance, chorar diante do mesmo filme, rever a mesma paisagem, saudar a mesma pessoa e amar o mesmo homem com o coração pulsando como quem descobre o desconhecido.
Aos inumeráveis problemas pela falta de atenção, classifico o esquecimento como pura distração.
Trazemos lembranças que se confundem entre elas, desafiando-nos a momentos de regressão...e outras que ficam fielmente registradas, pois cada célula do nosso corpo tem a sua própria memória, dentro de cada recordação.
O nariz lembra certos odores, fragrâncias, aromas, perfumes...
As mãos lembram o toque, a textura, o calor, o carinho...
O pescoço lembra o beijo escorregado, os dedos na nuca...
Os pés lembram o macio, o quente, o frio...o caminho.
Os olhos lembram tudo...
O coração lembra o que foi mais importante, como o primeiro beijo,
o nascimento do ciúme, a primeira ausência sentida, a primeira briga,
a primeira volta, a primeira partida.
O cérebro, por sua vez, não tem boa memória.
É amnésico, ingrato e distraído, e assim, sem sentido, as sensações mais intensas são esquecidas tão depressa que se transformam em sonho.
E nessa dualidade frustrante, da qual os amantes dependem, o coração que bate e o cérebro que pensa, de amar nunca, nunca mesmo,... se arrependem.