Dom de Mendigo
Encontrei um verso, já bem desgastado
Perdendo o viço na alma de um mendigo,
Ferido,
Mas ainda iludido,
Diz que ladeou a vida através de porta sem trinco.
Sem saber escrever compôs odes em delírios,
Em ladrilhos.
Sonhava insone, comer pão e colher lírios.
Assoviava árias tristes aos donos do futuro,
Como se fosse ele, uma cena de teatro
Todo em trapo,
Numa languidez esperançosa, de fino trato.
Tinha nas mãos calos e marcas de adeus,
Seu catre não tinha paixão nem encantos,
E nos cantos,
Coisinhas e andrajos e pedaços de santos.
Ao léu, seu dia não tinha faina, e sim orações
De um viver sem amores mesquinhos,
Sem torvelinhos,
E hoje, a dividir migalhas com passarinhos.
Ele era um verso de humilde pomposidade,
Igual borboleta que não conhece espelhos.
De joelhos
Tenta descortinar o humano sem rodeios.