O tule preto
Ela se trancou no quarto, triste que estava. Fechou atrás de si a porta.
Aos poucos criou para si um mundo à parte. Mas o sol teimava em entrar pelas frestas da janela todas as manhãs.
Fechou as janelas. Teceu com esmero um vestido longo e preto, de modo que seu corpo não mais se mostrasse.
Lá fora, o tempo encarregava-se de transformar a vida. O vento sempre trazia mudanças. Dentro, tons sobre tons cuidadosamente escolhidos: todos escuros. Rosas de organza grená passaram a enfeitar o jarro. Cortinas marrons cobriram o que restava de luz nas janelas. Em cada nova peça dedicava-se por completo.
No início, o tempo bateu na porta trazendo os ventos de outono convidando-a a olhar para as belas folhas douradas sobre o chão. Nada! Voltou trazendo delicados raios de sol para aquecer os dias frios. Em vão! Paciente, trouxe-lhe flores, folhas, frutos, exuberância! Não adiantou. Em sua última tentativa, chegou com o calor dos afagos, com temporais de alegria, com trovões e raios anunciando festa. Então ela quis sair. Mas quando tirou dos olhos o tule preto, nada enxergou. Mesmo assim tentou. Seus pés, no entanto, não conheciam o caminho para a porta e esta, tanto tempo fechada, tinha virado parede...