RETALHOS DE COLCHAS...
 
Passei boa parte de minha infância no meio rural. Cresci correndo em quintais amplos e em verdes campos. Curtia tomar banho de açude, embora tivesse medo dos peixes que ficavam pulando de um lado para o outro.
Meus brinquedos, na maioria, eram improvisados, mas eu os apreciava tanto quanto ver minha avó paterna fazer Colchas de Retalhos. Algumas combinações ficavam belíssimas e artísticas que pareciam jardins floridos; outras eram pesadas e tristes, passavam ideias de perdas, mutilações, amarguras, dores e sofrimentos. Talvez reproduzissem um pouco do estado de espírito da matriarca da família, pois sofrera inúmeras decepções.
Acredito que passara muito trabalho para criar seus cinco filhos, mesmo sempre tendo empregada. A diferença entre uma criança e outra era somente de um ano.
Sentada em um banquinho na varanda, ou no portal da casa, eu procurava compreender por que as agulhadas dadas para unir os retalhos eram tão diferentes. Umas, fortes, e por que não dizer, raivosas; outras, suaves e delicadas.
Raramente, vovó sorria. Seus gestos eram bastante mecânicos, porém, às vezes, concentrava-se tanto que parecia estar juntando pedaços de sua vida. Trazia, no rosto, um olhar tristonho e não era de demonstrar afetos. A educação que recebera de seus pais fora muita rígida e, como mulher, deveria saber esperar pelo marido silenciosamente e ser-lhe submissa. Aos homens tudo era permitido; às mulheres, nada!
Analisando os momentos que passei em sua companhia, uma certeza: Vovó, ao confeccionar Colchas de Retalhos, traçava linhas e caminhos que gostaria de ter dado à sua vida. Faltaram-lhe coragem e determinação para dar novo rumo à sua trajetória. O conformismo e a acomodação ocuparam o lugar da esperança e da felicidade em seu coração, elementos fundamentais para manterem a nossa energia vital.

 
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 03/06/2010
Reeditado em 09/01/2014
Código do texto: T2296845
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