Da janela da cozinha, no primeiro andar, vejo o rio-mar que vem mareando, devagarzinho
quando o sol entra na água para voltar amanhã. E uma vontade louca de andar naquele barquinho
sacode meu coração como água dentro do coco verde, a água verde- azul quase beija a parede,
mas recua para deixar espaço de pouso para as garças.
E, na boca da noite, elas chegam, não grandes, mas pequenas e graciosas fazem fila e ficam ali,
Olhando, esperando peixinhos ... As luzes dos barcos parados, dormindo, fazem o quadro noturno colorido...
O sol chega, os pés descalços movem-se: - me leva, senhor, para dar uma volta?
e lá vamos nós, (ele faz isto todo o dia) eu, não, na cidade não se vê aquele simples deslumbramento.
os remos conversam, um de cada lado, a água faz passos de dança líquída.
O homem é calado e, para espantar o quase silêncio, acaricio a água do mar, que marulha.
a pele das mãos enruga-se,
o coração alonga-se
os olhos alegram-se
a dor de cabeça foi embora
o corpo aradece.
agora é só esperar a noite,
De novo.
Uma canção toca em mim:
Saudade
Fiz meu rancho na beira do rio
Meu amor foi comigo morar
Muitas vezes nas noites de frio
Meu bem me abraçava
Prá me agasalhar...
Mas agora, meu bem,
Vou-me embora,
Vou-me embora e não sei
Se vou voltar...
A saudade nas noites de frio
Em meu peito vazio virá se aninhar...
A saudade mata a gente, morena,
A saudade é dor pungente, morena!
A saudade mata a gente...
(Antonio Almeida)