Jorge Ben

Antes que todos pudessem me interromper, me lancei. Meu volante tremia, o velocimetro marcava 165 km/h, carro popular, 1.0, 16 válvulas, 2005. Não adiantavam todos os gritos, os abraços tranquilizadores ou os conselhos. Estava ali, em frente. Era eu, o volante e o muro.

Foda-se que o muro era maciço e gigantesco. Foda-se que meu carro se espatifaria. Foda-se que eu quebraria a cara. Mais uma vez.

Porque aquele tempo era de sedução, de encantamento. Ouvi initerruptamente Jorge Ben no volume máximo, lembro do dia, de ter dançado colado, rosto com rosto, suor com suor, mão na cintura da moça-prosa, do sorriso malicioso e dengoso, lembro do beijinho no cangote e do pedido sincero.

O muro se aproximou tão rapidamente que a percepção foi tosca, confusa e nada nítida. Pois, ouviam-se os sinais, mas não se via quase nada. Bati com toda a força. Faróis, pára-brisa, retrovisores, capô, painel e motorista. Tudo contra aquela enorme parede.

Estilhaçados. O gosto de sangue na boca perdurou por dias. Os vidros ainda cortam a pele da moça-prosa, alfinetam, incomodam, fazem sangrar. Jorge Ben ainda toca. Mas baixinho, quase inaudível. O encantamento se desfez e eu bati contra o muro.

Por vontade própria, com o carro próprio, com a vida própria. Agora conserta e remenda, depois compra um carro novo, Jorge Ben no volume máximo e o muro...