Nostalgia
Era uma manhã qualquer naqueles dias quando o sol brilhava no céu e o mundo cultivava outras cores. Os sonhos eram possíveis e as realizações não causavam qualquer preocupação. Acordava-se com o mais simples propósito de alegria, estar novamente junto daqueles com quem ríamos e vivíamos. É, vivíamos. Havia mais conversa, mais interação, alguns falavam demais, outros de menos, mas todos falavam, todos escutavam todos. Reclamações, crises políticas, projetos, ideais... Uma música nova que tocava no rádio, um livro que era publicado falando de amor... A vida costumava ser mais simples e mais divertida. A razão... a razão? ... A razão era um respaldo para tantas possibilidades. O proibido, o censurado, o inacessível... estímulos que fomentavam a imaginação e traziam experiências inesquecíveis dentro de um contexto provinciano, mas nem por isso menos sincero de viver.
E foi numa manhã daquelas, com o calor da paixão a percorrer todo o corpo, motivando os acontecimentos e emoldurando instantes que ficaram para sempre cravados como pedras preciosas em subsolos inexplorados, que vi minha vida passando, diante de mim, como um filme sem intervalos. O céu apresentou-me suas nuanças e propagou o imprescindível fim de todo um período áureo, de uma inocência e pureza cristalizadas no mais ínfimo estado de minha apatia.
Despertei para o vazio. Compreendi a desmesurada distância que abrigava meus desejos mais secretos. Permiti ao mundo que assistisse a minha passagem pelos muros, desequilibrando-me por vezes sem fim a cada passo e retomando o caminhar. Sendo o alvo, depois o comum. Sendo o encontro e ao mesmo tempo a perdição. Fui o permitido quando tanto era obrigado. Fiquei triste...
Lembrei-me de que jamais retornaria àquele tempo quando a vida era tão fácil de ser vivida e o problema maior de ser enfrentado era o horário de chegar em casa. Satisfações... Era mesmo bom dar satisfações em casa. Havia quem se preocupasse. E a satisfação maior era mesmo a volta, sem arranhões, sem dores traumatizantes, mas o cansaço saudável de mais um dia e mais uma noite feliz...
E a manhã que mudou tudo isso, tantos valores que hoje trago comigo, apesar de tudo ter sido transformado em escritos sem a menor importância, trouxe para mim, como presente, o passado que nunca esqueço. Num enlevo que precedeu a saudade e se fez em mais um texto amoroso o sentimento sincero e incontido, que ainda me leva às lagrimas quando recordo quem fui, onde estive e com quem ainda
sou...
Hoje, quando vejo o anoitecer se aproximando e as estrelas desaparecendo entre as nuvens chorosas de minha própria solidão, ainda observo pela mesma janela os vestígios da felicidade daqueles dias iluminados quando os sonhos eram possíveis... passíveis... vividos.