Achei interessante e trouxe pra cá,


Sou uma espécie de carta de jogar, de naipe antigo e incógnito, restando única do baralho perdido.
Não tenho sentido, não sei do meu valor, não tenho a que me compare para que me encontre, não tenho a que sirva para que me conheça.
E assim, em imagens sucessivas em que me descrevo – não sem verdade, mas com mentiras – vou ficando mais nas imagens do que em mim, dizendo-me até não ser, escrevendo com a alma como tinta, útil para mais nada do que para se escrever com ela.
Mas cessa a reacção, e de novo me resigno.
Volto em mim ao que sou, ainda que seja nada.
E alguma coisa de lágrimas sem choro arde nos meus olhos, alguma coisa de angústia que não houve me empola asperamente a garganta seca.
Mas ai, nem sei o que chorara, se houvesse chorado, nem porque foi que o não chorei.
A ficção acompanha-me, como a minha sombra.
E o que quero é dormir.


- Bernardo Soares



ysabella
Enviado por ysabella em 12/12/2008
Código do texto: T1332113
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.