Um homem, não apenas.
[Inês Martins]
Um homem passar por mim. Me lha. Sabe que o observo, de rabo de olho, intensamente, intermitentemente; por dentro. Ele sabe, mas ignora.
O homem passa por mim, como quem come com os olhos. O homem é atacado por seus instintos, por sua vontade, pela sua felicidade antecipada em saber ser correspondido. Mas a gente nunca sabe. Nem ele.
O homem está ali: com suas bolotas castanho-esverdeadas, profundas. Suas esmeraldas me cercam. Seus olhos me dizem o que ele quer de mim. Ele me quer, dentro dos olhos, dentro da alma, dentro dos sentidos. Ele sabe que eu sei: mas ignora.
O homem passa em mim, como turbilhão de sentimentos confusos e intermináveis. O homem não é só um homem. É uma alma, um poço de sentimentos que passam a ter sentido à medida em que ele me toca. O homem me toca pela alma, apenas com os olhos. Ele sabe como me fazer estar tão perto de si que ouço seu coração batendo, seu corpo respirando, sua tensão em querer um beijo meu.
O homem está aqui, e eu nem sei ao menos o que fazer com ele. Parece ser um salto tão grandioso, tão abstrato, tão intangível, como a minha própria significância. Estar com ele parece ser o menos sensato, o menos lógico, o mais insano. Estar com ele é dizer que ele está em mim, faz parte de mim, me deixa ser frágil e sublime. É como remover uma máscara de séculos, moldada em trajes sobre - humanos. É como perder as palavras numa comparação visível. É como enxergar o óbvio; é como estar no mito da caverna de si mesmo.
O homem passa por mim. Já não é o mesmo homem de antes. Nem eu mesma, sou a mulher que ele viu, na sua primeira passagem. Mas certamente sou a mulher que ele não esqueceu. E que não se esqueceu dele.