CLAREIRA.
( A canção da luz, Out 2008 )
Todos os passos me levavam para a água,
e caminhei até que os lábios racharam de frio ,
por entre as sombras verdes coando o sol.
Deixei pegadas assinando-me a passagem,
e marcas de joelhos na beira de todos os riachos
enfeitaram os momentos das minhas ilusões,
sempre que achei que podia beber.
Mas descobri apenas novas dores,
látegos sibilantes enxotando-me de mim
rumo á floresta ainda mais profunda,
onde cheguei com um grito que não teve voz.
Soou apenas o ruído súbito dos meus passos,
esculpindo no ar a consciência do silêncio anterior.
A velha fonte, que tantas vezes me aplacou a sede,
surgiu dum momento para o outro, na clareira,
dando-me referências e revelando-me o lugar,
que reconheci em pura emoção.
Não precisei olhar para sentir os caminhos,
as quatro velhas árvores cardeais
onde um dia, antes de partir,
assinei em barro a palma da minha mão,
titulando os meus votos e os meus rumos.
De joelhos, entreguei as mãos á velha fonte,
deixando a sua força subterrânea cuidar mim
e recompor-me na minha essência.
Os meus passos incessantes acabavam aqui,
na solidão de um eterno ponto de partida,
entre os silêncios cúmplices das folhas
e a voz das águas repetindo um nome antigo.
Todas as vozes gritando dentro de mim
iniciavam já uma ladainha de quietude,
como se cansadas por não serem ouvidas.
Agora iria dormir.
Depois do sono, talvez me erguesse
e retomasse finalmente os caminhos,
em passos silentes pelo musgo cheiroso.
Talvez viessem a assaltar-me estranhas vontades ,
e o Tempo talvez viesse a escrever no meu peito
os improvisos que a poesia traz.
Mas nos olhos guardaria em brilhos
as memórias refletidas no dorso das águas,
e na palma da mão um barro sujo,
de renovado empenho.